Revista | Vol. 9, Dez 2018

O processo artístico contemporâneo como experiência do tempo e do sentimento de ser

As fotografias mencionadas no presente artigo, estão na seguinte ligação:

https://www.marcoanelli.com/portraits-in-the-presence-of-marina-abramovic/

Uma artista sentada, em silêncio, numa cadeira. Uma mesa e uma segunda cadeira vazia. Ao longo de 3 meses, oito horas por dia, 6 dias por semana, Marina Abramovic (Jugoslávia, 1946) senta-se em frente a uma cadeira vazia na qual qualquer pessoa pode sentar-se.

Instruções da peça: Sente-se com a artista, em silêncio, o tempo que desejar.

Condições: Não falar.

Objetivo da artista: Conceder a atenção e a presença exclusivas por um tempo indeterminado.

Resultado: Instala-se, entre o par, um ato de observação silenciosa e uma poderosa associação entre a lentificação do tempo e a experiência do sentimento de SER.

A linguagem processual artística de Marina Abramovic sinaliza, a par e passo, necessidades nucleares não identificadas do ser humano que, alienado e subjugado ao seu tempo quotidiano, vivência a sua incompletude sem nome.

Neste processo performativo a autora revela e sustenta os elementos da experiência do SER:

Corpo, Olhar, Atenção, Experiência, Ambiente, Tempo….

A contemporaneidade desta proposta performativa passa pela construção e manutenção de um ambiente delimitado, exclusivo, bem como pela reposição de um tempo que une em linha de continuidade passado, presente e futuro e, portanto, um tempo bondosamente lento e infinito.

Emerge, também, a presença tenaz de uma pessoa disponível em exclusivo para o Outro e que, sem interrupções e em síntese, remete o Outro em espelho para o Si Próprio.

Marina Abramovic destaca que “a relação era de um para um” (De Santos, E., 2016, 06 Julho) e que “quando a pessoa está sentada à minha frente já não se trata de mim, eu sou apenas um espelho do self da pessoa” (Nuvole in Viaggio, 2012, 12 Novembro).

Presença, Observação, Exclusividade, Continuidade, Tenacidade, Aqui e Agora para o Infinito.

Marina Abramovic refere ainda que a sua “função era estar presente a cem por cento para as pessoas” e que “o sucesso da performance foi o fato da proposta ser não verbal” (Java Films, 2017, 18 Abril).

Mais do que a apresentação de uma metáfora do processo psicanalítico pretende-se pensar como o processo artístico pode servir para uma compreensão fina do setting e processo analíticos, para além da palavra. Este processo revela, ainda, qual a manifestação do Ser, no tempo presente, através da experiência estética não verbal de um par relacional.

Um participante sintetiza a experiência afirmando que “ela lentifica a nossa vivência do tempo, induz a que lá fiquemos durante um longo tempo... e como resultado… ela transforma-nos.” (Nuvole in Viaggio, 2012, 12 Novembro).

Marina Abramovic (2016) sublinha

a quantidade enorme de amor, o amor incondicional por totais estranhos, foi o sentimento mais incrível que alguma vez tive. Eu não sei se isto é Arte, disse para mim própria. Eu não sei o que é isto, ou que arte é esta. Sempre pensei na arte como algo que se expressava a partir de certas ferramentas: pintura, escultura, fotografia, escrita, filmes, música, arquitetura. E claro, performance. Mas esta performance foi para além da performance. Isto era vida. Pode ou deve a arte estar isolada da vida? Eu comecei a sentir cada vez mais que a arte tem de ser vida – tem de pertencer a todas as pessoas. Sentia-me mais forte do que nunca, e que o que eu queria criar tinha um objetivo. (p. 319).

Em suma, podemos pensar que o processo do encontro transformativo se alimenta da esperança de uma experiência de continuidade, integridade e plenitude, ou seja, uma experiência simples e autêntica.

Esta é uma experiência estética processual de um par cuja intensidade da vivência passa por um alinhamento de tempo-transição entre sonho e realidade.

O que o par experiencia parece situar-se num jogo não verbal, num espaço/tempo de infinitas possibilidades, que concilia a crença plena no sonho e na transcendência com a vivência não traumática da realidade.

Aquela é a Verdade na medida em que dois permitem transformar-se e SER pela experiência estando expostos ao mundo.

Com a introdução de um processo artístico contemporâneo põe-se em marcha um processo transformativo em que o artista e o observador, no final, “não serão os mesmos”.

Portanto, aqui, o processo artístico alimenta-se do impulso para um tempo futuro pleno de sentido e não da necessidade de reparação de um tempo passado danificado.

Nota de rodapé

1 Comunicação livre proferida na mesa Sonho do Futuro a 21 de Abril 2018 no X Encontro da AP com a visualização de excerto de 5 minutos da performance de Marina Abramovic intitulada a “A Artista está Presente” (2010) https://youtu.be/2TlZjFGriLw

Referências

Abramovic, M. (2016). Walk Through Walls: a memoir.Three Rivers Press.

De Santos, E. (2016, 06 Julho). Marina Abramovic in the MoMA and Ulay (vídeo). Disponível em https://youtu.be/2TlZjFGriLw

Java Films (2017, 18 Abril). Marina Abramovic on Intuition (vídeo). Disponível em https://youtu.be/8Fs1cmYghDs

Nuvole in Viaggio (2012, 12 Novembro). Art is present (ita sub).mpg (video). Disponível em https://youtu.be/e_pHXPU72So

Title

The contemporary artistic process as an experience of time and the feeling of Being

Abstract

From Marina Abramovic’s “The Artist Is Present” (2010), presented at the MOMA in New York, it is intended to sketch a future thinking about the importance of the contemporary artistic process, in this case performative process, in understanding the experience of time and of the feeling of Being.

The author considers that the artistic process can serve for a fine understanding of the analytical process, beyond the word, through the nonverbal aesthetic experience of a relational pair.

Keywords

Performative process; Analytical process; Non-verbal aesthetic experience; Experience of Being; Transformative process.