Revista | Vol. 9, Dez 2018

Editorial

TEMPO

Este número da revista “Se... Não...” é dedicado ao X Encontro da Associação de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica, realizado a 20 e 21 de abril de 2018, sobre o tema “o tempo”, reunindo aqui os diversos trabalhos apresentados em conferências e comunicações.

Neste número poderá encontrar os artigos que coloriram o debate. Carlos Amaral Dias oferece a perspetiva do tempo enquanto retorno a Freud e ao inconsciente, onde a fidelidade histórica em psicanálise não pode deixar de ser, por vezes, infiel aos factos, num ressignificado retroativo que liga a posterioridade e anterioridade, e onde o “objecto psicanalítico modificado”, termo cunhado pelo autor, muda o tempo e o espaço sobre um carril temporal. Cria-se um tempo e um espaço que antes não existia.

A esta exposição de Carlos Amaral Dias, segue-se o comentário de Patrícia Câmara, sublinhando o profundo e acutilante acto psicanalítico de ressignificação em duplo sentido, onde nos carris do tempo podemos ser todo o tempo no mesmo tempo, num presente vivido com e sobre o passado. Se em cada “retorno a Freud”, Freud sai renovado e com ele a psicanálise, em cada 12

retorno ao sujeito do inconsciente, o professor Carlos Amaral Dias ajuda-nos a renovar o pensar psicanalítico.

No trabalho de Ana Gaspar sobre o mistério da personalidade não-psicótica, a autora reúne os contributos da filosofia e de Bion, centrando a discussão no tempo e criação enquanto fenómeno contínuo e descontínuo, funcionando como ilustração da condição da personalidade não psicótica de Bion.

Ana Vasconcelos faz o encontro entre o tempo, a arte e a psicanálise, num tempo que passa, porque vivido, e um tempo que permanece, porque sonhado, ligando assim a arte ao onírico e a psicanálise à rêverie.

Na mesma linha, André Toso fala-nos do tempo cairológico na psicoterapia, reenviando-nos à dimensão cairológica da temporalidade na prática clínica, por meio da filosofia de Martin Heidegger.

Miguel Estrada e Nuno Pangaio ligam a ilusão e o narcisismo às implicações neurológicas e saúde mental no tratamento das perturbações da hiperatividade e défice de atenção, defendendo que o adiamento no tempo, da terapêutica medicamentosa, se enquadra num tempo fantasmagórico que não existe, exceto no tempo suscitado pelo retiro narcísico parental.

Rita Pereira Marques fala-nos no processo artístico contemporâneo como experiência do tempo e do sentimento de ser, que nos remete para uma compreensão fina do processo analítico, para além da palavra, através da experiência estética não verbal de um par relacional.

Com Teresa Heitor Ferreira é retratado o tempo de relação como constructo da saúde mental, refletindo sobre o tempo psicológico/tempo real como promotores do desenvolvimento da criança.

Por fim, eu apresento um caso clínico de um menino com autismo, que esteve em seguimento dos 4 aos 22 anos de idade, para através dele pensar as questões do tempo: Numa primeira abordagem como origem da patologia, na sua não-integração espaço-temporal e somato-psíquica; E num segundo momento enquanto defesa contra a desintegração. 13

No conjunto destes artigos, não só podemos revisitar as exposições que abrilhantaram o X Encontro da Associação de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica, como olhar o tempo nas suas variadas perspetivas e contributos.

Desejamos a todos excelentes leituras!

Saudações psicanalíticas.