Revista | Vol. 9, Dez 2018

Atemporalidade no autismo

Introdução

Em 1943, Leo Kanner introduz o conceito de “Distúrbios Autísticos do Contacto Afectivo”, descrevendo a perturbação central destas crianças “na incapacidade que têm (…) desde o começo de suas vidas, para se relacionar com as pessoas e situações” (Kanner, 1943, p. 242).

Para Leo Kanner (1943), o autismo infantil constituía-se como uma verdadeira psicose, aparecendo nos primeiros 2 anos de vida, com um isolamento inicial quase impenetrável. Para o autor, os dois critérios diagnósticos principais eram o isolamento extremo e a insistência obsessiva para a “mesmice” (resistência à mudança), sendo todas as outras manifestações secundárias a estas duas alterações básicas (Junior & Kuczinsk, 2007). Assim, o que é esperado nas relações primárias mãe-bebé fica inevitavelmente comprometido, já que o bebé é menos responsivo ao meio envolvente e todas as mudanças – internas ou externas – são vividas como catastróficas.

Por ser uma patologia da “relação” e por surgir numa fase muito precoce do desenvolvimento, o ponto inicial da disrupção autística confunde-se com as necessidades primárias do bebé recém-nascido, estagnado numa imaturidade inicial. Daí surgirem dúvidas quanto à sua etologia, questionando-se se é o ambiente que interfere na capacidade de integração da criança ou se é o bebé que revela à partida uma dificuldade inata à integração.

Se por um lado, autores como Winnicott, e em certa medida Frances Tustin, consideram que as falhas do ambiente promovem as dificuldades de integração da criança autista, outros, como Mahler, Meltzer e Hobson, defendem o contrário, considerando haver na criança uma incapacidade em separar as sensações internas e externas, donde resultaria uma impossibilidade de percecionar a mãe como representante do mundo externo.

Para Bruno Bettelheim, o ambiente e a relação primária mãe-bebé não podem ser responsáveis pela patologia autística, muito embora o que se observe desde uma fase muito precoce do desenvolvimento seja um bloqueio na relação de mutualidade do bebé com a sua mãe, situando-se aqui a origem da patologia.

Para Mahler e Meltzer, existe uma indiferenciação percetiva, que origina uma não integração sensorial. Para Winnicott e Tustin seria antes uma experiência traumática da apresentação da realidade, por intrusão, na perspetiva de Winnicott, ou separação abrupta, na perspetiva de Tustin, que estaria na base do seu estado de não-integração (Winnicott) ou colapso depressivo (Tustin).

Outro ponto de divergência no entendimento da patologia autística ou psicoses da infância, dada a sua emergência precoce ao nível do desenvolvimento, é a aceitação da existência de um mundo interno, recheado de confusão e cisão objetal ou, pelo contrário, a indiferenciação entre interno e externo, e por isso sem introjeção ou projeção de bons ou maus objetos, preservando um estado de subjetividade absoluta, onde eu e o outro se confundem.

A ideia de um espaço interno na criança pequena surge com Mélanie Klein, sendo só a partir dela que o mundo infantil passou a ter lugar na psicanálise, passando esta a ocupar-se dos distúrbios inerentes à infância, onde o autismo se inclui.

Para aquela autora, através do estudo do caso Dick, o autismo, designação não utilizada na época, correspondia a uma inibição no desenvolvimento, onde se podia observar um bloqueio da realidade, ao nível do desenvolvimento da fantasia e da perda da simbolização (Klein, 1930).

Na perspetiva Winnicottiana “(…) as dificuldades que equiparam bebés e psicóticos dizem respeito à constituição do si-mesmo (self) como identidade unitária e ao contato com a realidade. Nos bebés, elas devem-se à sua extrema imaturidade; Nos psicóticos, ao fato de eles terem-se extraviado em algum ponto do caminho que leva à maturidade”(Dias, 2003, pp. 14-15). “Ou seja, a psicose decorre do fato de aquilo que deveria ter sido levado a termo, no início do processo de amadurecimento — a tendência estrutural do bebé à integração e à relação com tudo o que é não-eu — não se ter dado”(Dias, 2003, p. 151).

Na mesma linha de raciocínio, Francis Tustin (1984) considera haver uma fase autística normal no desenvolvimento infantil, donde a emergência de um autismo patológico seria secundária ao seu estado inicial, decorrendo da vivência abrupta, da separação corporal com o objeto antes de ter sido possível interiorizar a sua ausência. No entanto, embora considere haver um ”estado de responsividade hipersensibilizada da mãe”, tal como defende Winnicott, também considera existir uma “responsividade hipersensibilizada a situações sensuais” por parte do bebé, de forma a facilitar os “processos de “ligação” entre a mãe e criança” (p. 22). Deste modo, Tustin, inclui neste desencontro mãe-bebé não só a importância da perceção da realidade introduzida pela mãe, como Winnicott defende, mas também, de acordo com Meltzer, uma incapacidade da criança autista em filtrar os estímulos sensoriais, que conduziria ao seu isolamento face à realidade externa e consequente ausência de mentalização.

Assim, a perspetiva de Tustin faz uma ponte entre o pensamento de Winnicott e de Meltzer, na junção do ambiente às vivências internas do bebé, sendo os conceitos de Bion sobre a capacidade de pensar subsequentes à ausência de mentalização preconizada por Tustin.

Pegando na Teoria do Amadurecimento de Winnicott, a impossibilidade de integração resultaria na desorganização espaço-temporal, e consequente despersonalização (soma e psíquico) a par da ausência de relações objetais diferenciadas (Dias, 2003, p. 166).

A incompletude destas 3 primeiras etapas ou tarefas, segundo a teoria do amadurecimento de Winnicott, espelham-se de forma transversal e inequívoca no quadro clínico do autismo, independentemente da severidade dos seus sintomas.

Mas se as primeiras etapas da Teoria do Amadurecimento de Winnicott parecem explicar bem o funcionamento patológico da criança autista, a tónica da etiologia do autismo, posta na relação mãe-bebé e nas falhas na díade, acarreta uma responsabilidade ambiental difícil de explicar do ponto de vista fenomenológico.

Winnicott (1966) utilizava o termo “esquizofrenia no bebé e na criança” enquanto sinónimo de psicose da infância, assumindo que a sua recuperação estava dependente da capacidade de retorno ao ponto de amadurecimento que havia sido perturbado. Para ele, a definição da etiologia encontrava explicação (do tipo causa) nas anameses feitas com os pais.

A questão é saber se não haverá sempre falhas na relação mãe-bebé quando um bebé autista falha na sua atitude responsiva e reativa ao ambiente.

Neste texto procurar-se-á enquadrar a teoria do amadurecimento de Winnicott enquanto explicação fenomenológica da perturbação da criança, não induzindo, no entanto, que a capacidade inata de integração do bebé estava lá presente à nascença e que a falha foi do ambiente e não no reportório inato da criança.

Há vários quadros tipo-autista que favorecem esse aceção (ex. perturbações de vinculação graves, hospitalismo ou “depressão anaclítica” de Spitz), em que o ambiente, por falhar na resposta ao gesto espontâneo da criança, promove a desintegração. Mas também há outros, como o caso dos grandes prematuros, cujo comportamento do bebé, numa fase inicial do seu desenvolvimento, muito se assemelha ao quadro autista, mas onde, uma vez recuperada a imaturidade da nascença, podem ser revertidos em comportamento ditos normais.

Parece assim importante seguir uma linha explicativa mais integradora, onde ambiente e bebé se influenciam mutuamente, havendo uma falha consecutiva do ambiente em dar resposta ao bebé e uma resistência impenetrável do bebé à experiência exterior. Ou seja, a realidade externa impõe-se de uma forma intrusiva e desintegradora por força de uma hipersensibilidade do bebé aos estímulos do meio ambiente.

Assim, em termos etiológicos, parece haver uma incapacidade inata à integração, cujo processamento sensorial ineficaz estaria na base de uma hipersensibilidade ao ambiente, provocando o retraimento e a fraca responsividade do bebé à realidade externa.

Em termos fenomenológicos, as principais manifestações resultantes daquela incapacidade de integração sensorial dizem respeito, logo ao estágio inicial da teoria de amadurecimento de Winnicott – primeira mamada teórica –, ao nível da integração espaço-temporal e somatopsíquica. Por sua vez, esta indiferenciação no tempo e no espaço, do corpo e da mente, conduziria, de acordo com o conceito defendido por Meltzer, a uma identificação adesiva, mimética, numa vivência em bidimensionalidade, onde o tempo e espaço não respondiam a nenhuma linearidade determinada. Neste espaço vital bidimensional, podemos encontrar em Bion explicações para o mundo interno da criança autista, cuja ausência da função alfa, a intoxica psiquicamente, perpetuando ao longo do tempo a sua grande incapacidade de pensar.

Ilustração clinica

“Ouve-me, ouve o meu silêncio.
O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa.
Capta essa outra coisa de que na verdade falo
porque eu mesma não posso.
Lê a energia que está no meu silêncio”

Clarice Lispector (1973, pp. 14-15)

O Diniz foi encaminhado a uma consulta de psicologia aos 4 anos de idade por agitação motora, ausência de linguagem estruturada e medos variados. Atualmente tem 22 anos e mantém o acompanhamento psicológico.

Os pais, intelectualmente diferenciados, no plano social, parecem “atabalhoados”. A mãe com um discurso muito formal; O pai muito reservado e contido. A linguagem emocional parecia falhar, com pouco espaço para a criatividade e fantasia. Ainda assim, eram pessoas agradáveis e empenhadas, aderindo ao projeto terapêutico numa entrega total.

O Diniz é o filho mais novo de uma fratria de 3, com uma diferença de idades muito acentuada dos irmãos, e por isso com uma atenção de filho único. Quando o Diniz nasceu, já os seus irmãos eram crescidos, sendo o mais novo 8 anos mais velho do que ele. Embora os pais tivessem 43 anos quando o Diniz nasceu, tinham uma aparência de mais de 50. Para lá da aparência, tudo neles parecia revelar o peso da idade, igualmente “atabalhoados” nesta tarefa de ser pais fora de tempo.

O “peso da idade” parecia advir, não tanto da idade tardia com que foram pais pela terceira vez, mas antes do cansaço de tomar conta de uma criança que não pára, que não se faz entender, que não come, não dorme, enfim… Que não é possível decifrar nem conter. São descritas birras incontroláveis pelas mais variadas situações, mostrando os pais um sentimento angustiante face à incompreensão das necessidades desta criança tão desejada.

Podíamos pensar que as características desta criança, insaciável e imprevisível, atacaram as fracas capacidades desta mãe em “sonhar o seu bebé”, visto apresentar-se ela própria como rígida e “atabalhoada”. Por outro lado, a presença ausente deste pai, circunspeto e reservado, não funcionou como elemento de sustentação, pelo que “manter-se vivo e respirando” foi tarefa difícil para ambos.

Porém, as manifestações de passividade ou inércia destes pais, passíveis de gerar no Diniz a confusão de um agir incontido e sensação de esvaziamento permanente, contrastam com o seu papel ativo, ainda que silencioso, enquanto parceiros e cúmplices do processo terapêutico.

O Diniz era tratado e visto como um menino-cristal. Rapidamente este menino de vidro dava ares de se poder partir a qualquer instante, e todos corriam atrás dele com medo que se partisse de facto. Vir às consultas obrigava sempre a que duas pessoas o trouxessem, porque a mãe não se sentia capaz de o trazer sozinha, com medo que ele lhe fugisse ou fizesse alguma coisa inesperada, passando a ideia de uma impotência face a esta criança em constante fuga, indomável no seu desejo e ao mesmo tempo totalmente imprevisível nas suas manifestações comportamentais.

Também separar-se dele parecia gerar na mãe alguma confusão, agindo como se quisesse entrar no espaço do filho, mas sem saber o que fazer, ficava “perdida” na sala de espera a ver o filho ir, sem diferenciação, com a psicoterapeuta para a sala. Não mostrava zanga, mas uma espécie de desorientação, como se deixasse de se reconhecer no seu papel de mãe, como se também ela, perante a indiferenciação do filho, se sentisse despojada da sua função maternal.

Era como se as angústias do Diniz caíssem, como Tustin (1975) afirma, numa espécie de “espaço em branco” onde as projeções elementares do bebé são despojadas num vácuo, permanecendo intactas, sem modificação nem elaboração. Ou seja, suspensas, sem poderem ser pensadas, tal como a mãe reagia perante a separação. Por um lado, o esvaziamento, como se a matéria estivesse em constante ebulição, entre o líquido e o gasoso, evaporando-se sem deixar rasto. Por outro, um equivalente a um continente “roto”, que pelas transformações da matéria, tornava impossível conter o material projetado. Mãe e filho perdiam-se na ausência um do outro, sem no entanto nunca se (re)encontrarem.

Todas as etapas do desenvolvimento foram vividas de forma pesada. Até perto dos doze anos, o Diniz rejeitava vários alimentos, nenhum deles podia tocar-se no prato, diferentes cores e consistências dos alimentos não podiam ser combinadas, rejeitando arroz com almôndegas pela mistura do branco com o vermelho, ou sopa com ervilhas pela combinação do sólido com o líquido. No sono, teve muita dificuldade para aceitar dormir sozinho, mostrando grandes dificuldades para adormecer. Vomitava sempre que alguma situação lhe provocava ansiedade e tudo o que saísse de uma ordem pré-estabelecida o desconcertava. Conhecia as coisas através do olfato e estava constantemente a cheirar os seus dedos, como movimento estereotipado e compulsivo. Tudo deveria permanecer imutável e perante a mudança o caos instalava-se.

A separação eu/não-eu rompia a sua pele psíquica, desmoronando-se em pedaços perante a sensação de individuação. A “divina insatisfação” de que Tustin (1975) fala como necessária ao processo de separação, e consequente emergência psíquica, era vivida como uma dor intolerável, impedindo a passagem de um ser “psicologicamente viável” a um ser “psicologicamente continente”. Ou seja, diferenciada dos objetos e percecionada com limites corporais próprios, um ser vivo e pensante. A função cumulativa desta “diabólica satisfação” perpetua o que Tustin (1975) chamou de Autismo secundário patológico.

À medida que o Diniz foi crescendo e o seu corpo deixou de ser o escoador de todas as inquietações, começaram a aumentar os seus rituais compulsivos, essencialmente relacionados com a ordem e a arrumação.

Não agindo no corpo, agia na mente a mesma angústia-base da separação. A necessidade de controlar o ambiente, surgia como defesa contra a perceção intolerável dos seus limites corporais, agindo pela ação e não pelo movimento a mesma insegurança de estar separado, amputado de partes de si, que eram agora vistas como não-eu (Tustin, 1975).

As mudanças no Diniz provocavam mudanças nos pais, que se tornavam progressivamente mais contentores. O espaço mental do Diniz ia começando a surgir como separado e, em sintonia, os pais aceitavam essa individuação sem o peso e desnorte da indiferenciação inicial do filho.

Ainda assim, sempre que falavam do Diniz permanecia nos pais este olhar da “criança de vidro”, persistindo o medo de uma espécie de irreversibilidade do dano, qualquer coisa que se destruída, corria o risco de jamais poder ser reparada.

Mas recuando no tempo….

Aos 4 anos era assim que o Diniz se comportava. Como uma criança partida e sempre em risco de se desmontar em pedaços. A única brincadeira possível no início do apoio era espalhar tudo pelo chão enquanto, em grande excitação, ria-se e perpetuava aquele frenesim até um lugar perto da loucura.

Também em termos espaciais, o incontido tomava lugar. Entrava pela porta da sala e queria sair pela janela. A entrada na sala dava conta de uma espécie de “devoração” do espaço e no tempo, onde mal vendo a psicoterapeuta na sala de espera, corria desenfreado pelo corredor, como se não houvesse tempo a perder, sentindo-se no entanto totalmente perdido quando chegava ao seu destino final. Devorava o tempo e o espaço para se sentir esvaziado logo a seguir. Mal entrava na sala, atirava para o chão tudo o que estivesse em cima da secretária e, uma vez espalhados os “conteúdos” da psicoterapeuta, olhava em êxtase para o “desmantelamento” da ordem inicial das coisas, parando por segundos, para logo a seguir perder-se naquele caos.

Não olhava no rosto e os seus movimentos bruscos e incontidos pareciam querer trespassar o que o rodeava, sem dentro e sem fora, um espaço aberto e por isso um não-espaço mental onde existir.

Nas suas brincadeiras existia sempre uma confusão eu/outro, quer a nível corporal, onde o corpo da psicoterapeuta era um prolongamento do dele, quer na sua relação com o exterior, onde um bebé a chorar numa sala ao lado era sentido como uma angústia sua, um brinquedo fora do sítio era uma descontinuidade do espaço, ou um boneco partido era um pedaço de si que faltava, gritando “falta, falta, falta”. Ao mesmo tempo, e perante estas “agressões do meio”, agredia a psicoterapeuta, cuspindo-lhe, atirando-lhe bonecos e tapando-lhe a cara, para depois dizer “Chora Alexandra, o Diniz fez mal à Alexandra”. Nestes ensaios destrutivos, queria introduzir objetos no corpo da psicoterapeuta, pelos ouvidos e pelo nariz, numa excitação e confusão crescentes.

Havia dentro da sala um copo de louça com o desenho de um palhaço que o Diniz admirava de longe e que por alguma razão não estava dentro da sua intenção destrutiva, perguntando “ o Copo do palhacinho parte, não parte?”. Um dia o Diniz reparou na falta do copo, que não estava lá. Ficou aflito e passou toda a sessão a perguntar “onde foi o copo do palhacinho?”. Quando na sessão seguinte o “copo de palhacinho” retornou o seu lugar, o Diniz, sorriu e, parecendo ver nisso uma reparação mágica, começou a querer brincar.

As brincadeiras passaram a ser montagem de puzzles, onde uma figura sem sentido nem forma ia emergindo num “trabalho” conjunto de montar peça-a-peça, impondo-se um tempo de espera que mediava o todo fragmentado e caótico das peças espalhadas, para a emergência de uma imagem com sentido. Chegado ao sentido final – a imagem de duas figuras da Disney - gerava-se novo frenesim e no instante em que a figura estava completa era de imediato destruída, para voltar a dar lugar ao caos inicial. Uma construção e reconstrução sem fim.

A brincadeira, ainda que retomasse, ao longo do tempo, a construção do puzzle da Disney, pôde aventurar-se por outros campos, mais recreativos e simbólicos.

Aparece a brincadeira dos pais e filhos, a psicoterapeuta era a mãe e ele um bebé aflito. Este bebé, sempre a gemer ou a chorar precisava de colo, mas ao mesmo tempo era preciso dar-lhe “picas”, tornando-se o meio à sua volta simultaneamente contentor e intrusivo. Nesta “simulação” de uma outra mãe, uma mãe-psicoterapeuta, o Diniz fica assustado pela possibilidade de ter “morto” em fantasia a sua mãe real. Então passa a querer confirmar a presença da mãe na sala de espera, saindo a meio da sessão a correr para ver se ela se mantinha “viva e respirando”, como diz Winnicott, na esperança ou medo que a sua fantasia não a tivesse destruído de facto. A partir daqui, volta a aparecer a confusão dos espaços (físicos e mentais), querendo sair pela janela para ir ter com a mãe, e uma vez lá fora, no final da sessão, tentar entrar de novo pela janela para ir ter com a psicoterapeuta. Estas duas “mães” aumentaram a sua agitação física, parecendo fundido a ambas e por isso sempre amputado pela ausência de uma delas. A agressividade dirigida contra a psicoterapeuta também aumentou dizendo-lhe inúmeras vezes: “A Alexandra vai para o lixo” ao mesmo tempo que a tentava agredir com objetos e batia com um taco nas paredes da sala. Nestes movimentos destrutivos, ia confirmando que, quer a psicoterapeuta quer o setting, sobreviviam aos seus ataques e à sua agressividade.

Porque esta agressividade é tolerada e a psicoterapeuta não se destrói, a agitação diminui, assim como a brincadeira fragmentada de espalhar os brinquedos pelo chão, desaparece. Mais calmo começa a querer desenhar e desenha sempre o mesmo desenho, sem história, sem personagens mas organizado e estereotipado – casa, relva, céu, flores e uma árvore. No fim do seu desenho dizia, também de forma estereotipada: “Que lindo desenho”.

O desenho foi começando a ter novos elementos, desta vez “água” – uma piscina onde um menino nadava. A água passou a estar presente nas brincadeiras, molhar os brinquedos e molhar-se a ele e à psicoterapeuta.

Com a introdução da água, emerge no jogo a cena do nascimento. Coloca um bebé na barriga e diz “é mentira que o bebé morre”, e “esmagando” a cabeça do bebé, logo a seguir repara a sua “morte”, dando-lhe de comer e colocando-o para dormir.

Aos 10 anos, tudo parecia mais calmo. Começa a aparecer uma espécie de esboço de um objeto total mas fundido, naquilo que Ogden (1996) chamou de “terceiro analítico”- uma criação de analista e analisando, que sustenta e é sustentado como dois indivíduos separados. Nas histórias que inventava existiam sempre dois amigos, o Alexandre Sousa (o seu apelido) e o Diniz Medeiros (apelido da psicoterapeuta). Embora fundidos um no outro, onde fica difícil delimitar quem é um e quem é outro nas falas que produz, fica a ideia de poder existir, nesta indiferenciação, uma parte dele, fundido à parte da psicoterapeuta, que agredia a outra parte dos dois, existindo um lado mau ainda com intenção destrutiva, mas aliado a uma parte mais saudável que permitia a reparação.

Nestas novas possibilidades de ser, o Diniz, não sabendo quem é ainda, começa a “encenar” uma postura mais crescida, como aquela que já não precisa de brincar, preferindo ler livros adequados à sua idade, ou fazer jogos de acordo com a idade estipulada na caixa.

E nesta ânsia de crescer, imaginava-se já crescido.

O seu principal desejo era fazer amigos, mas as relações com os rapazes da sua idade eram difíceis, tornando-se um alvo do gozo dos outros. Um dia, o Diniz diz na sessão “Eu agora já percebi. Pior do que pessoas más, são as pessoas dissimuladas”. No entanto, só conseguia ver isso depois de ter sido enganado, apercebendo-se também, como lhe era difícil “ler” as intenções dos outros para lá do que era dito. Não tinha qualquer movimento de antecipação, e tudo lhe aparecia como inesperado e imprevisível, tal como ele se apresentava quando ainda era criança.

Ao entrar na adolescência, novas preocupações apareceram. A mudança de voz e o início da puberdade pareciam anunciar esse crescimento tão desejado, mas dentro dele tudo estava ainda em suspenso, o que lhe provocou recorrentes crises de ansiedade, com aumento das insónias e intensificação dos rituais compulsivos.

Ao fazer 16 anos, no dia do seu aniversário, apercebe-se quando acorda, que nada tinha mudado, não estava mais maduro, não tinha feitos novos amigos, e então chora todo o dia, desiludido por não ter ocorrido nenhuma metamorfose dentro de si.

É-lhe difícil falar do sofrimento e da desilusão e para se acalmar repete a mesma projeção, idealizando no tempo uma solução mágica do futuro para a incompletude do presente: “Aos 17 já estou quase na maioridade e aos 18 vou tirar a carta de condução”.

Ao entrar na universidade, começa a fantasiar o início da sua vida profissional.

O curso que escolheu foi Direito e essa nova etapa trouxe-lhe mais ansiedade.

O seu maior receio era que descobrissem que era autista. Tentava disfarçar as dificuldades relacionais, mas estava constantemente preocupado que os outros percebessem as suas inaptidões sociais.

No ensino secundário tinha sido alvo de bullying, mas só consegue falar disso ao entrar na universidade, pelo que perante os medos de voltar a ser excluído e ridicularizado, fala – fora de tempo – do que os ex-colegas da secundária que lhe tinham feito, insultando-os, sempre a medo, ao mesmo tempo que se ria e fantasiava o que lhes podia ter dito na altura ou que lhes iria dizer no futuro, numa espécie de alucinação psicótica, pela excitação desorganizada com que vivia essa imaginação.

Em forma de catarse, escrevia na sessão, cartas à “Excelentíssima Juíza”, reclamando por justiça. Enumerava por escrito os defeitos dos ditos colegas, desenhava os seus rostos e riscava a folha até romper, numa identificação projetiva, onde as partes más eram postas fora, numa fantasia onipotente de reparação do objeto ideal. Ou seja, as relações humanas não eram difíceis, nem as pessoas eram más, apenas aqueles colegas - os piores de sempre - representavam a parte cruel e “demoníaca” da vida, pelo que, uma vez acusados e sentenciados, o mundo tal como o idealizava continuaria a ser um lugar seguro para se viver. Este mundo ideal, justo e com leis, era o único possível para o Diniz existir, já que a agressividade vinda de fora promovia a descontinuidade e com isso a desintegração.

Um funcionamento semelhante ao definido por Mélanie Klein, assente em “processos de cisão e identificação projetiva” (Meltzer, 1986, p. 44), onde as partes más eram postas fora, numa fantasia onipotente de reparação do objeto ideal.

O primeiro ano da facultade passou-o mais ou menos sozinho, a estudar na biblioteca, e a evitar ir ao refeitório porque o barulho e confusão o perturbavam, tentando passar despercebido na patologia.

Na sessão fazia planos para se aproximar dos colegas, mas sempre que o fazia não entendia os interesses dos outros e comentava que “eles só falam de futebol, miúdas e sexo, fumam e dizem asneiras … que horror”.

De novo desfasado no tempo, fala de bullying na universidade, e de novo este tema só pode ser “pensado” por ele quando muda de horário e de turma, e os ditos colegas deixam de fazer parte do seu quotidiano. Ainda assim, sempre que se cruzava com eles, parecia acreditar - num nível quase delirante – nas boas intenções dos rapazes, imaginando que talvez um dia pudessem ser amigos.

Na sessão ele podia zangar-se, dizer palavrões (o que o divertia imenso, numa espécie de interdito autorizado), mas essencialmente fantasiar. Esta fantasia funcionava como uma realidade paralela, uma outra dimensão da existência, onde imitando os outros fingia ser quem não era.

Imaginava que os amigos de Facebook eram reais e, embora se contentasse em ter apenas 273, e não os mais de mil dos seus colegas de escola, considerava-os a todos “amigos” de verdade. Um dia reparou que tinha menos um amigo. Ficou intrigadíssimo e ao mesmo tempo muito angustiado por poder ter feito alguma coisa que desagradasse alguém, que tivesse ofendido outra pessoa, e por isso ele, ou ela, o tivessem “desamigado” do Facebook. Iniciou então uma busca frenética por todos os nomes da lista de amigos para identificar a ausência. Não foi fácil, mas conseguiu identificar. Era uma colega da Universidade com quem nunca sequer tinha conversado. Aliviado por não ser ninguém mais próximo, começou a confirmar todos os dias se o número se mantinha, esforçando-se em simultâneo por arranjar um outro “amigo” que substituísse aquela falta.

Quis falar sobre isto em tempo real. A psicoterapeuta pensou com ele a diferença entre esta amizade virtual e a amizade verdadeira, entre adicionar alguém com quem nunca se falou ou alguém especial, ao mesmo tempo que lhe dizia que se só adicionasse quem realmente conhecia, mesmo que fossem só 20, saberia sempre as suas intenções. O Diniz percebeu as diferenças, aceitou a lógica, mas retorquiu que preferia ter 272, e que ia procurar não se preocupar tanto.

O importante era fantasiar que tinha 272 amigos.

Uma outra grande fantasia, que emergia na sessão, era como seria quando terminasse o curso e tivesse o seu primeiro emprego. Embora receasse falar em público, e o curso que tinha escolhido lhe trouxesse muitas dúvidas quanto à futura profissão, mesmo assombrado por incertezas, consciente das suas dificuldades de relação, dizia em voz de comício, meio artificial mas ao mesmo tempo empolgado: “Não é por eu ter Asperger que sou menos do que os outros, eu sou uma pessoa igual às outras, e eu vou conseguir, nunca vou desistir. Desistir é que nunca”.

Depois perguntava “Doutora, queria perguntar-lhe uma coisa, a doutora já me conhece desde dos meus 4 anos, pode dizer-me qual é a sua opinião em relação a mim? Eu tenho melhorado muito, estou muito diferente…” e olhando para a sala e para a caixa dos brinquedos recordava os tempos de criança “Eu cresci muito aqui nesta sala, brinquei, li histórias, e agora já falo de mim, sentado neste sofá que mais parece um divã da psicanálise… lembro-me tão bem de fazer aquele puzzle ali” (apontando para a estante onde estava o puzzle da Disney que por tantos dias, semanas e anos foi presença obrigatória nas sessões, montando e desmontando todas as suas peças).

Queria ouvir da psicoterapeuta a sua própria história, e mantendo a fantasia, imaginava também a vida pessoal dela. Um dia, ainda criança, perguntou à psicoterapeuta se era casada e obtendo um sorriso como resposta, disse “Eu acho que não é, porque a doutora tem um ar feliz, não tem o ar cansado da minha mãe”. Também em relação aos filhos fazia muitas suposições, mas ao final de 18 anos de terapia já podia concluir “A doutora não tem filhos, eu sei, nunca a vi grávida”. O tempo da terapia dava a intimidade que o Diniz precisava e dizia-lhe “Já me conhece desde os 4 anos, viu-me crescer, é quase uma mãe, uma mãe-terapeuta”.

Mas intimidade era fusão e por isso o Diniz, colado ao outro, adivinhava os pensamentos da psicoterapeuta, “Eu sei que a doutora fica feliz quando eu lhe conto estas coisas, porque sabe que eu estou a crescer, a tornar-me um homem”.

E porque na relação, o Diniz foi-se apercebendo das dificuldades que tinha em falar sobre o presente, sempre preso a um passado pouco nítido, ou um futuro promissor, começou a querer partilhar angústias, pensamentos ou sensações em tempo real, acrescentando ao seu relato “Pronto, doutora, agora estou a falar do presente” e no final da sessão concluía “Hoje a nossa conversa foi muito boa, eu sei que a doutora está feliz, eu já falo mais do presente e assumo as minhas emoções”.

Conseguiu também expressar zanga com a psicoterapeuta, quando um dia esta se atrasa com a consulta anterior, fazendo-o esperar mais tempo do que o previsto na sala de espera. Entra e diz “isto é uma falta de respeito…é o que é”, sendo preciso falar com ele sobre os imprevistos e como o facto de os dois se conhecerem há tanto tempo, ajudava para que a imagem que ele tinha da psicoterapeuta, de confiança e previsibilidade, pudesse servir de tranquilizante para a sua falha. Ou seja, era apenas uma falha, não um desrespeito.

E porque conseguia se zangar, também já conseguia acalmar-se na sessão.

Contente por poder viver ali essas emoções dizia “Eu adoro vir aqui, é como um remédio, mas em vez de tomar um medicamento, deito aqui todas as bactérias para fora, desabafo tudo e fico mais calmo”.

Fora da terapia, a identificação adesiva era a mesma, e qualquer pessoa que lhe desse atenção, que o tratasse com amabilidade, era por ele descrita como “Muito querido, ele foi muito simpático comigo, é um amigo de verdade… que boa sensação esta, a amizade é a melhor coisa que existe no mundo”, dando ao seu relato contornos teatrais e empolados. Perante a desilusão desta fantasia surgia nova idealização. Apercebendo-se deste movimento, o Diniz um dia diz “Eu sei que é uma defesa... Eu prefiro viver na esperança de um futuro melhor do que saber que é assim ou é assado... Viver um presente com dor... É para evitar o sofrimento”.

Este mecanismo defensivo protege-o da dor de existir, e à semelhança da sua atemporalidade, coloca no passado ou no futuro tudo o que de momento não consegue digerir.

Numa ocasião, um amigo da família, a quem o Diniz tratava por padrinho, já com 92 anos de idade, adoeceu. Todos esperavam a morte dele e o Diniz sabia que a família, principalmente o seu pai de quem era mais próximo, iria em breve viver essa perda inevitável. Então antecipou o sofrimento associado à perda e chorou a sua morte ainda em vida: “Eu sabia que o padrinho ia morrer, então chorei um dia inteiro, para no enterro poder ficar calmo, ele já é velhinho, mas custa sempre”.

Ao mesmo tempo, viveu o dilema do sofrimento do seu pai, que era muito chegado a esse amigo, e dizia “O padrinho continua internado, sempre que alguém telefona, os pais vão a correr atender, achando que foi ele que morreu. Este tempo de espera está a pôr o meu pai muito triste, anda irritado com tudo, a correr sempre para o hospital… Coitado do senhor, não desejo que ele morra”.

Este dilema era um dilema do tempo. O sofrimento do pai vivido num presente que não acaba, a morte do padrinho num futuro que nunca mais chega. O desejo era que o presente passasse rápido, e o futuro, no sofrimento da perda, já tivesse acabado.

Assim, vive suspenso, projetando no futuro os seus desejos, apagando da memória o que já passou, e vivendo o momento atual, povoado por experiências não integradas, sem tempo nem espaço.

Conclusão

Se num primeiro momento a atemporalidade do autismo surge pela não-integração espaço-temporal em fases precoces do desenvolvimento, mais tarde ela apresenta-se como defesa contra a desintegração.

Inicialmente o tempo-físico e o tempo-vivido (Piaget, 1946) dão conta da intrusão sensorial impedindo a integração das “sensações, perceções e conceituações sobre o tempo e o eu” (Zukaukas, 2003, p. 6). O tempo-físico, marcado pela inexistência da noção das relações espaciais, impossibilita a experiência de tempo-vivido, decorrente da atitude do indivíduo na sua relação com o mundo.

Assim, nesta atemporalidade, a consciência percetiva, ideia desenvolvida por Merleau-Ponty (1990) envolve a experiência do corpo vivido, onde “o provir ainda não é, o passado não é mais e o presente, (…) é apenas o limite, (…) (onde) o tempo desmorona” (Merleau-Ponty, 1990, pp. 551-2). A circularidade temporal – passado/presente/futuro - assume-se então como dimensionalidade espacial – virtual/real -, conferindo à noção de tempo a reversibilidade entre o que veio e o que virá, que se opõe ao lado irreversível do antes e depois (Fortes, 2006).

Se é importante no autismo, a previsibilidade e imutabilidade do mundo exterior, então criar uma dimensão paralela no tempo - o virtual – permite reverter o que a realidade enquista. A luta contra o “desmantelamento do ego” que Meltzer (1975) refere dá conta deste processo defensivo, isolando as partes da realidade mais atrativas de forma a precaver-se contra a perda de integridade que a realidade no seu todo provoca.

“O fenómeno puramente autístico”, como Meltzer definiu, do uso inalterado e repetitivo da sensorialidade, combinava-se a um “fenómeno de fuga mental (…) enquanto intolerância às separações”, que, dando forma à “dimensionalidade do espaço vital” (Meltzer, 1986, p. 48), mundo físico e relações espaciais, produziam o seu efeito sobre a relação com o tempo (Meltzer, 1986, p. 49). A combinação destes dois fenómenos conduz àquilo que Meltzer (1986) designou por identificação adesiva, muito próximo do mimetismo, sem profundidade nem dimensão espaço-temporal.

A atemporalidade do autismo, este tempo desfasado, vivido sempre “fora de horas”, numa linearidade que nunca se cumpre, funcionava para o Diniz como escudo protetor contra a imprevisibilidade e descontinuidade com que a realidade se apresentava. Freud (1920) distingue “susto”, “medo” e “ansiedade”, considerando esta última como aquela que nos prepara para a eventualidade de um perigo, evitando o “susto” que um perigo inesperado pode causar, tendo por base o “medo” do que algo de concreto e definido nos provoca.

O medo era o desconhecido. A ansiedade uma forma de contornar o novo, tornando a realidade previsível e imutável.

É na capacidade de “sonhar acordado” (reverie) do psicopsicoterapeuta, como nos diz Bion, que este medo pode passar a ser tolerado.

O que a experiência psicoterapêutica promove é a vivência atemporal do inconsciente, “que não permanece nem determina o presente (…)” e onde “tudo se passa como se o presente constituísse o passado e abrisse o futuro como diferença” (Winograd, 1998, p. 87).

 

Referências

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Resumo

A partir da apresentação de um caso de clínico de um menino com autismo, seguido em psicoterapia dos 4 aos 22 anos de idade, as questões do tempo vão ser pensadas, primeiro como origem da patologia, na sua não-integração espaço-temporal e somato-psíquica, segundo a teoria de amadurecimento de Winnicott, e mais tarde enquanto defesa contra a desintegração, partindo das definições de Meltzer de identificação adesiva. A circularidade temporal – passado/presente/futuro - assume-se então como dimensionalidade espacial – virtual/real -, conferindo à noção de tempo a reversibilidade entre o que veio e o que virá, que se opõe ao lado irreversível do antes e depois (Fortes, 2006, p. 203). Se é importante no autismo, a previsibilidade e imutabilidade do mundo exterior, então criar uma dimensão paralela no tempo - o virtual – permite reverter o que a realidade enquista. A luta contra o “desmantelamento do ego” que Meltzer (1975) refere dá conta deste processo defensivo, isolando as partes da realidade mais atrativas de forma a precaver-se contra a perda de integridade que a realidade no seu todo provoca. A atemporalidade do autismo, este tempo desfasado, vivido sempre “fora de horas”, numa linearidade que nunca se cumpre, funciona, no caso clínico apresentado, como escudo protetor contra a imprevisibilidade e descontinuidade com que a realidade se apresenta.

Title

Timelessness in Autism

Abstract

From the presentation of a clinical case of a boy with autism, followed in psychotherapy from 4 to 22 years of age, the questions of Time will be thought, first as the origin of the pathology, in its spatial-temporal and somato-psychic integration, according to Winnicott’s maturation theory, and later as a defense against disintegration, starting from Meltzer’s definitions of Adhesive Identification. The temporal circularity - past / present / future - then assumes itself as spatial dimensionality - virtual / reality -, conferring to the notion of time, the reversibility between what has come and what will come, which opposes the irreversible side of before and after (Fortes, 2006, p. 203). If it is important in autism, the predictability and immutability of the outside world, then creating a parallel dimension in time - the virtual - allows to reverse what reality stagnates. The struggle against the “ego dismantling” that Meltzer (1975) refers to, accounts for this defensive process, isolating the most attractive parts of reality in order to guard against the loss of integrity that reality as a whole causes. The timelessness of autism, this outdated time, always lived “out of hours”, in a linearity that is never fulfilled, works in the presented clinical case, as a protective shield against the unpredictability and discontinuity with which reality presents itself.

Keywords

Autism, Timelessness, integration, Adhesive Identity