Revista | Vol. 5, N. 2, Dez 2014

A importância do entusiasmo do terapeuta na retoma do desenvolvimento.

“Mãe/Pai, 
O que vejo quando olho para os teus olhos? 
Quem vejo refletido no teu olhar? 
O que sinto quando me olhas? 
O que sinto que tu sentes quando olhas para mim? 
Saberás, porventura, da importância do teu olhar para mim?” 

 Neste pequenino poema, elaborado pela autora, encontra-se, resumida, a ideia-chave deste artigo: a importância do olhar das figuras parentais sobre o bebé como forma de reconhecimento e de filiação primários. Ou seja, de um olhar que, porque amoroso e deslumbrado, inaugura, no bebé, a certeza de se ser amado, a possibilidade de uma identidade e os sentimentos de pertença e de competência. É deste olhar que se alimenta o desenvolvimento da pessoa. Ele contém a mensagem sobre si mesmo, sobre os pais e sobre o mundo. Com olhar não nos cingimos, pois, apenas ao acto de olhar, mas estamos a querer significar o olhar, nomeadamente da mãe, como aquele que é o significante do próprio bebé, da mãe e depois do ambiente relacional em seu redor, indo ao encontro da ideia de Winnicott de que o olhar da mãe é o percursor do espelho. 

Sublinhando a importância da dependência na primeira infância, Winnicott (1983/2007) procurou “(...) inserir a dependência na teoria do desenvolvimento da personalidade” (p. 15). Na perspectiva deste autor, todo o ser humano nasce com um potencial inato para amadurecer e se desenvolver, mas que apenas se concretiza mediante um ambiente facilitador, que o autor condensa na figura da mãe suficientemente boa. 

Winnicott (1956/1958) ressalta a importância do papel materno no cuidado ao bebé e das suas implicações em termos do desenvolvimento da personalidade do bebé. Desenvolve o conceito de preocupação materna primária (Winnicott, 1956/1958), referindo-se a um estado psicológico muito especial que as mães passam desde o fim da gravidez até às primeiras semanas de vida do seu bebé. É um estado caracterizado por uma sensibilidade exacerbada às necessidades do bebé e que leva as mães a excluírem outros interesses, de forma normal e temporária. Segundo Winnicott (1956/1958), a preocupação materna primária “fornece um contexto para que a constituição da criança comece a se manifestar, para que as tendências ao desenvolvimento comecem a desdobrar-se e para que o bebé comece a experimentar movimentos espontâneos e se torne dono das sensações correspondentes a essa etapa inicial da vida” (p. 403). 

Ou seja, para Winnicott “um bebé não existe sozinho”. Para se formar como pessoa, o bebé passa por uma fase de dependência absoluta da capacidade de mãe em colocar-se no lugar das necessidades do seu bebé e a elas corresponder suficientemente bem. 

Na consulta terapêutica, encontramos muitos pacientes que foram privados desta dependência de cuidados suficientemente bons. Por razões diversas, a função materna falhou nesta capacidade de corresponder às necessidades daquele bebé, frustrando-o na ilusão de satisfação omnipotente das mesmas. 

Diz Winnicott (1983/2007): 

Sem a propiciação de um ambiente inicial suficientemente bom, esse eu que pode dar-se ao luxo de morrer nunca se desenvolve. O sentimento de realidade encontra-se ausente e, se não houver caos em excesso, o sentimento final será o de inutilidade. As dificuldades inerentes à vida não poderão ser alcançadas e menos serão ainda as satisfações. Quando não há caos, surge um eu falso que esconde o verdadeiro, que se submete às exigências, que reage aos estímulos e que se livra das experiências instintivas (...) (p. 404). 

 

A importância do outro no processo de reconhecimento próprio e de construção do amor próprio.

Depois de nascer, o bebé passa por um momento de atenção focada na sua mãe, olhando para ela com os seus olhos muito abertos como se transmitisse: «Olá mãe. Agora vejo quem és. Agora sei quem és, como és». A própria mãe estará num período de invulgar alerta, potenciado pelas hormonas do parto, e ela própria não consegue desviar o olhar do seu bebé. Ambos se scanerizam, memorizando todas as particularidades da face amada. 

Naquele momento, desejavelmente, mãe e bebé olham-se e vêem-se refletidos um no olhar do outro. Reconhecem-se um no olhar do outro. É um olhar profundo e que, na ausência de comunicação verbal num (bebé) e complementando o significado da comunicação verbal no outro (mãe), transmite a certeza do amor, de um laço, de uma ligação entre aquelas duas pessoas. 

Esse olhar, corroborado pela comunicação corporal, é como se fosse a luz de um farol e iluminasse, ao bebé, os sentimentos que a mãe nutre por ele. Quando amamos alguém, o nosso olhar brilha e ilumina-se ao ver essa pessoa: é essa expressividade que é captada pelo olhar do outro. Quando olhamos para alguém de quem gostamos muito, esse sentimento transborda no nosso olhar e nós próprios sentimos mudanças no nosso olhar e no nosso estado de espírito. Por outro lado, também podemos sentir como o olhar de alguém se transforma ao olhar para nós e como nesse olhar está contida imensa informação sobre o que essa pessoa sente e pensa sobre nós. Nesse sentido, o olhar é um veículo por excelência da comunicação intersubjectiva entre nós e o outro. Há outros sinais comunicantes, como a postura corporal, o tom de voz e as hormonas, estas últimas que captamos a um nível não-consciente e que nos dão informação mais precisa sobre a sintonia entre aquilo que vemos e que sentimos por parte do outro. E que antes de falarmos e de compreendermos bem a linguagem verbal se tornam informação preciosa sobre o que outro sente em relação a nós. Ou seja, esses sinais geram informação importante sobre como somos vistos, sentidos e compreendidos pelo outro significativo. 

Mas, detenhamo-nos no olhar. Dou o exemplo de uma situação que observei com uma díade mãe e bebé de 5 meses. Antes dos 5 meses, quando a bebé era colocada em frente ao espelho com sua mãe, ficava a olhar para a mãe e sorria para esta. A mãe sorria-lhe e continuava a olhar para a bebé. De repente, aos 5 meses, na mesma situação, a bebé olhou para si mesma ao espelho, e já não para a mãe (penso que olhou para o sítio para onde a mãe olhava). Olhou para si mesma com interesse e sorriu! Ou seja, um dia olhou para si. O seu mundo deixou de estar concentrado na mãe e no pai. Descobriu-se. Reflitamos no processo desta mudança de foco no olhar... 

Inicialmente, mãe e bebé olham-se, mas é o olhar da mãe que é olhar significante, ou seja, que dá significado ao que se olha. Efectivamente, a mãe, como animal alfa, olha o bebé e designa-o pela palavra: «Olá, bebé. É o bebé que está aqui». Reconhece, assim, existência e identidade ao seu bebé. Penso que será este reconhecimento do olhar da figura de vinculação primária, normalmente a mãe - não esquecendo a importância também do olhar do pai -, associado à significação proporcionada pela linguagem, que faz com que o bebé se vá reconhecendo como alguém. 

E pode sorrir-se porque se sente amado e narcisado. O olhar apaixonado da mãe e do pai sobre si dá-lhe a certeza de que é alguém, de que é amado e reconhecido. 

Penso que será aqui que o bebé começa a desenvolver a sua individualidade. À medida que se vai sentindo olhado e significado (reconhecido), associado ao amadurecimento do seu cérebro, formam-se as bases para que o bebé se possa reconhecer como indivíduo e que é objecto de um amor inigualável por parte dos sujeitos parentais. 

Esse amor reflete um entusiasmo em relação ao desenvolvimento do bebé, onde as conquistas são vividas com deslumbre e incentivo, motivando o bebé, estimulando o desenvolvimento. Tornam o desenvolvimento algo de partilhado com entusiasmo e amor. O mundo que conquista tem o brilho da curiosidade do bebé, alimentada pela alegria do olhar parental. Por outro lado, os pais reconhecem o bebé como indivíduo ao reconhecer que tais conquistas são efectuadas por aquele bebé: “Olha o que o bebé já consegue fazer. Boa!”. 

Este deslumbre e incentivo no olhar parental contribui para que o bebé se sinta competente. É o alimento principal da sua auto-estima e do seu narcisismo. 

Porém, nem sempre isto acontece. Por situações diversas, psicopatológicas ou não, a mãe pode não conseguir estar focada no seu bebé. 

A este propósito, recordei-me de uma paciente que sigo há 7 anos e cujo motivo da consulta era sentir-se desamada e sem saber qual o sentido da sua vida. Ao longo do caminho psicoterapêutico, fomos compreendendo que não se sentira amada desde a sua infância. Só no sexto ano de psicoterapia é que pudemos reconhecer verbalmente que não se tinha sentido amada, olhada e reconhecida pela mãe desde o seu nascimento, e de como isso se tinha repercutido na sua vida, sobretudo nas suas relações amorosas e de amizade íntimas. 

Para ilustrar este percurso, criei, com base no percurso psicoterapêutico, um discurso desta paciente sobre esta descoberta do não-olhar materno na relação mais precoce. Note-se que este é um diálogo imaginado, com base num condensando de 7 anos de terapia, e focando apenas os aspectos relacionais que sentimos as duas como fundamentais na compreensão da sua depressão. 

À procura do reconhecimento e do amor 

I. vem à consulta de psicologia em Julho de 2007 encaminhada por uma psicóloga de um programa de perda de peso em que participava. O seu pedido centrava-se num mal-estar interno e numa ausência de sentido para a sua vida. Descrevia-se como uma pessoa conflituosa, agressiva e amarga para com os outros. 

A minha primeira impressão sobre a I. centrou-se na força da sua presença. Não se mostra inibida com a situação e rapidamente pretende dominá-la. Um domínio que é o domínio das palavras. I. fala muito, dando pouco espaço para o outro falar... e pensar. O seu discurso é invadido pela angústia, pela tristeza, pelo pessimismo, num discurso que prognostica um futuro sem mudanças, sem alegrias. A solidão e a desilusão face à sua vida são a nota dominante e pensamentos de que não vale a pena viver estão presentes. 

“Sabe, Catarina, eu tenho a sensação de que, quando nasci, a minha mãe não olhou para mim... Não no sentido de olhar apenas... Com certeza que me viu, que deteve o seu olhar sobre mim. Mas penso que não me olhou reconhecendo-me como sua filha, entende? 

Hoje sei que o período da sua gravidez e do pós-parto foi complicado... Ela engravidou antes de casar com o meu pai e, para este, foi um grande choque saber da gravidez. Ele reagiu mal e a minha mãe passou a gravidez muito sozinha, em casa da família, sem saber se o meu pai ia aceitar casar com ela. Foi um período muito conturbado. E quando eu nasci, acho que a minha mãe não estava verdadeiramente com disponibilidade mental para mim. Ela própria estava a passar por um período muito difícil e sem certezas. Deveria estar muito centrada nela e na sua vida. (Eu questiono-me e questiono a paciente porque razão aquela mãe não se ligou àquela filha e não viu nela uma alegria maior no meio de tanta incerteza e perturbação? Que forças internas a impediram de se ligar a esta filha e deixar fluir o amor por ela?) 

Os meus pais lá casaram, embora eu nunca tenha compreendido muito bem o laço que os unia. Mais, eu sempre tive uma grande dificuldade em perceber o laço que os unia a mim... Não sei... 

Eu já lhe contei que a minha mãe conheceu o meu pai já não era nova e creio que viu nele uma oportunidade para casar e ter filhos, e não ficar para tia. Porém, talvez as coisas com o meu pai não tenham sido consentâneas com o seu sonho... E talvez eu tenha vindo precipitar um casamento que não se adivinhava feliz... 

Quando eu nasci, o meu pai veio ver-me à maternidade. Sei que me reconheceu. Eu trazia muitos traços da minha família paterna... A minha mãe sempre me disse isso: que eu era parecida com a família do meu pai. Não se veja nisto um elogio. Não o era. Era mais uma forma de transmitir o seu desencanto, senão mesmo zanga em relação ao meu pai. Para mim, era uma certeza, ainda que não consciente naquela altura, de que a minha mãe não se apropriava de mim como sua filha. Era como se eu fosse sobretudo lha do meu pai, não dela... 

Vêem-me agora à memória algumas coisas que diziam de mim daquela altura. A minha mãe sempre referiu que eu era um bebé muito calmo. Estava sempre sossegada. Mamava muito bem e não dava grande trabalho. Mas isso não chegou para ela se apaixonar verdadeiramente por mim. Não chegou para desfazer a tristeza e zanga que iria na sua alma e apaixonar-se por mim... Não compreendo bem o porquê. Estaria assim tão centrada na sua zanga com o meu pai... no fundo, consigo mesma e com a escolha que fizera? 

Hoje penso que aquele meu sossego poderia ter a ver com alguma tristeza que eu própria já acarretava. Será que se pode falar de depressão nos bebés? Eu acho que talvez eu fosse um bebé deprimido. E penso que isso aconteceu por dois factores. O primeiro porque eu não sentira desde o primeiro momento da minha existência o amor incondicional da minha mãe. O segundo: o nascimento da minha irmã, que nasceu tinha eu 15 meses. 

Ao contrário de mim, a minha irmã era a filha querida e amada da minha mãe. Porque foi ela mais amada do que eu, se éramos filhas do mesmo pai? 

Uma coisa que a minha mãe sempre disse é que a minha irmã era parecida com a família dela, e isso, entendo-o eu agora, eram as palavras que faziam com a minha irmã fizesse parte do universo da mãe. Ao contrário de mim. 

A minha mãe ficou grávida da minha irmã tinha eu 6 meses. Na sequência da gravidez, a minha mãe foi ficando sem leite e já não me podia amamentar. Parece que eu reagi muito mal a isso e foi difícil habituarem-me ao leite artificial e ao biberão. Eu penso este foi o primeiro roubo que eu senti que a minha irmã me fez em relação à minha relação com a minha mãe. Roubou-me o leite. 

É incrível, mas, a propósito disto, tenho uma recordação muito precoce, devia ter 1 ou 2 anos. Eu lembro-me do cheiro das tetinas do biberão e de como eu reagia mal às tetinas novas. Eu gostava das tetinas velhas, porque já estavam moles e adaptadas à minha boca. Tinham um sabor e um cheiro característico. Já meu... Entende? 

Além disso, eu sempre senti que a minha mãe gostava mais da minha irmã do que de mim. E isso até podia ser verdade, mas também houve circunstâncias da personalidade da minha irmã que reforçaram o cuidado que a minha mãe tinha de ter com ela. A minha irmã foi sempre muito chorona desde que nasceu, exigia imensa atenção por parte da minha mãe e estava sempre doente. Foi o segundo roubo que a minha irmã me fez em relação à minha relação com a minha mãe: roubou-me a atenção e o cuidado dela. Eu sentia que era tudo para a minha irmã. 

O porquê que a minha mãe se apegou mais àquela filha chorona e doente, e não a mim, que era um bebé saudável e fácil, é coisa que eu não entendo... talvez tenha a ver com a história de vida da minha mãe e com a sua personalidade. Mas não sei... Também já não lhe posso perguntar. Ela morreu quando eu tinha 26 anos e não tinha uma consciência tão clara de tudo isto. Aliás, nessa altura, eu vivia na ilusão (mentira, mesmo) de que tinha uma relação próxima com a minha mãe. Fazia, sem me aperceber uma série de coisas para que ela reparasse em mim: deixava a caixa da pílula à mostra, confidenciava-lhe coisas sobre namorados e desisti do meu projecto de sair de casa para ficar a cuidar dela até morrer. 

Colava-me à relação que ela tinha com a minha irmã. Essa, sim, era próxima, quase invasiva, refere hoje a minha irmã. Já lhe disse como, quando nós éramos pequenas, a minha mãe nos vestia de igual. Coisa que sempre me irritou e me perturbou. Eu detestava-o. Não me sentia na minha pele. Eu não me sentia eu no modo como a minha mãe tratava de mim... Compreende? E o que ficava bem à minha irmã, não me ficava bem a mim, que sempre fui roliça e baixinha, enquanto ela sempre foi magra e alta. 

Até agora, eu nunca tinha percebido de como andei sempre atrás do afecto da minha mãe e de como me sentia tão desamada. Era uma informação que estava dentro de mim, mas que não era consciente. Eu nem nunca odiei a minha mãe. 

Odiei, sim, o meu pai. Odiei o seu autoritarismo, o seu não reconhecimento directo das minhas competências, a sua distância. A zanga em relação ao meu pai era, por isso, absolutamente consciente. Sempre estive em guerra aberta com ele, e isso era normal. A nossa vida, minha e da minha irmã, era discutir as regras do meu pai. 

Mas, a minha mãe... a minha mãe sempre cara intocada dentro de mim. Eu até achava que ela era uma boa mãe. Contudo, a realidade, é que sempre me senti posta em segundo lugar e mal vista por ela. 

Quando tinha 4 anos, creio eu, passei a assumir essa preferência da minha mãe e anulei-me geracionalmente. Passei a comportar-me como se a minha irmã fosse a mais velha e eu a mais nova, e, por isso, com menos direitos. Assumi que ela era a preferida... da minha mãe. Não tenho tanta consciência que sentisse isso em relação ao meu pai. 

Aliás, eu até acho que o meu pai se envaidecia de eu ser inteligente e capaz e saudável. Nunca mo disse directamente, mas eu sabia que o dizia nos cafés e no barbeiro aos amigos. Contudo, tal não me serviu de grande compensação, visto que o meu pai não era muito afectuoso e, definitivamente, não o era com crianças com mais de 2 anos. Eu acho que o meu pai só se sabia relacionar com crianças muito pequenas, com quem brincava. Depois, afastava-se e governava o seu autoritarismo na relação. 

Por isso, penso agora, aqui, consigo, que talvez o meu sentimento de pouco valor venha também desta relação pobre com a minha mãe... Do facto de ela nunca ter olhado para mim com olhos de ver. De me ver. Acho que tive azar com os meus pais. Ambos não ajudaram a que eu me sentisse valorizada como pessoa e como mulher... 

Isso trouxe-me tantas dificuldades nas relações com os outros. Uma carência de reconhecimento permanente. E sentimentos permanentes de desilusão – de eu ser uma desilusão e de me desiludirem – , de não reconhecimento e de não gostarem de mim... Acabava por ser uma pessoa extremamente difícil nas relações com os outros, porque, por um lado, precisava sempre de mais; por outro, porque não procurava os outros, precisava sempre que me procurassem. Sempre me senti aquém, insegura e com dificuldade em encarar as dificuldades como desafios. Habituei-me a desistir, a não escolher. E hoje em dia, não gosto da minha vida... e passo os fins-de-semana a procastinar e a sentir-me deprimida e só. Agora tenho consciência de tudo isto e percebo que ainda tenho um longo caminho a fazer dentro de mim de re-construção do meu eu e de recuperação da minha vida. 

Não sei como se trata isto. 

(Talvez apercebendo-se de que é possível ser valorizada e apreciada, como sucede aqui comigo, digo-lhe.) 

Mas aqui é diferente. A Catarina tem mesmo essa função de me compreender e de me ajudar. 

(Sim, mas podia não ter sentido empatia consigo e não ter avançado com a terapia... E tal como eu, outros podem reconhecer esse seu lado gostável e interessante que aqui deu a conhecer. Outros que estarão mais disponíveis do que a sua mãe... que perdeu a oportunidade de conhecer a filha que teve).” 

Espelho da alma 

Diz-se que os olhos são o espelho da alma. Os olhares brilhantes e vivos do bebé e da mãe traduzem a sua alegria; espelham o calor do afecto que sentem um pelo outro. Mas, claro que todo o corpo, com o seu tónus, com a postura que adopta; a voz, com os seus cambiantes de timbre; a vivacidade da pele, todos transmitem algo sobre o estado emocional e físico do bebé e da mãe. Corpo que comunica um desejo de ser conhecido, conhecer e de intimidade. 

Nos pais, esta comunicação contém um compromisso de amor e de cuidado; no bebé, traduz amor, dependência, os estados físicos e emocionais, procura de confirmação da segurança do amor e do cuidado dos pais e, também, e progressivamente mais visível com o desenvolvimento do bebé, da avaliação que os pais fazem do mundo e das pessoas que rodeiam a família. 

Contudo, situações há em que os pais, um ou ambos, não se encontram emocionalmente disponíveis para o seu filho e quando o olham na realidade não o estão a ver genuinamente, mas uma projecção de pensamentos e sentimentos seus. Falham ao nível do holding, do handling e da apresentação do mundo ao seu bebé (Winnicott, 1983/2007). 

Os bebés são extremamente sensíveis às emoções dos pais e conseguem discriminar a genuinidade das suas expressões. Como seres não falantes, os bebés são peritos na captação da informação não-verbal e essa informação fica guardada na memória de uma forma não-consciente. 

No caso da paciente que acima descrevi, a ideia de não ser gostada, preferida, amada pela mãe nunca lhe fora consciente. Foram sentimentos que aconteceram antes que a linguagem os pudesse ajudar a pensar e a elaborar. Poderíamos, neste sentido, dizer que foram sentimentos que ficaram guardados na memória como tal: proto-sentimentos, ou precursores de sentimentos (João Pedro Dias, comunicação pessoal, Fevereiro, 2013), modos de sentir o toque, o olhar, o cuidado. 

A sua zanga sempre fora em relação ao pai, o qual era considerado o grande “culpado” do seu insucesso pessoal e amoroso. Existindo mesmo a ideia de que escolhia sempre homens como o pai, isto é, que a tratavam sem a consideração que o pai lhe tinha votado. 

Contudo, à medida que a psicoterapia foi avançando, a questão que começámos a colocar é que provavelmente a sua dificuldade na relação amorosa vinha da relação com a mãe, a primeira relação de intimidade e de dependência falhada. E que essas escolhas amorosas tinham mais a ver com o segundo plano em que a mãe sempre a deixou. 

Apesar de tudo, o pai perfilhara-a e tinha orgulho nesta filha, mesmo que sem grande capacidade de afectivamente lho transmitir, pois era uma pessoa muito rígida e autoritária. Mas tanto o era para uma filha como para a outra. Já a mãe da paciente parecia ser diferente, mostrando-se mais amorosa e próxima de uma filha do que da outra. A primeira a quem considerava uma filha sua (parecida com a sua família); a outra a quem considerava ser filha do pai e a quem, provavelmente, eram projectados o desamor, a desilusão e a distância que sentia em relação ao marido.  

Sem que alguma vez a mãe lhe tivesse dito algo nesse sentido, a paciente foi retirando essa informação do modo de ser da mãe com ela, no modo como a tratava, sobretudo no modo, diferente, como tratava a irmã, e pela comparação, sempre pela negativa, que fazia da paciente com o pai. 

Depressão e entusiasmo 

A depressão instala no “eu” da pessoa uma perspectiva pessimista, derrotista, masoquista de alguém que se sente inferior, incapaz e que alimenta uma visão idealizada dos outros e geralmente também de si mesma, quer no sentido positivo quer no sentido negativo. Visão pessimista que mais do que alimentada por ganhos secundários para a pessoa me parece enquadrar-se numa dificuldade global da pessoa em se ver com valor e agente competente da sua vida. 

Assim se encontrava I. quando nos conhecemos. Sentia-se esmagada pelo seu pensamento pessimista e derrotista – muitas vezes sentindo que este se impunha na sua mente, contra a sua vontade e apesar dos seus esforços em pensar de forma diferente – e sentia grande dificuldade em transformar a sua vida e o seu estilo relacional. 

Ao longo da terapia, I. manifestava uma consciência aguda do seu modo (hipersensível e crítico) de se relacionar. Muitas vezes conseguia mesmo visualizar outras formas de ver a vida e de interpretar as relações, mas tal compreensão era sentida como meramente racional e derrubada pela parte emocional, fragilizada, encerrando-a num ciclo fechado. Por vezes, eu imaginava-a como alguém em estado vegetativo, que se dava conta do que se passa à sua volta, mas não conseguia mexer-se nem falar. Observava o que se passava, mas não conseguia intervir. Íamos, contudo, conversando sobre as mudanças na vida mental e relacional de I. que iam acontecendo no seu discurso para comigo, mas que pareciam resultar em lenta transformação na vida real desta. 

Tal lentidão na mudança assenta num modo de pensar/de ser caracterizado por uma visão idealizada de si e do outro, com um carácter inconstante e que sofre quedas vertiginosas quando a auto-estima, frágil, é magoada por mais um evento que vem retirar o próprio da idealização de si mesmo ou do outro e acrescentar mais um dado, vivido como confirmação desastrosa, do seu pouco ou nenhum valor como pessoa e das suas parcas ou inexistentes competências para lidar com os desafios da vida. O desânimo toma lugar central no pensamento da pessoa e esta pode sentir que funciona em piloto automático, isto é, com pouco ânimo e sentido, sobretudo sem espontaneidade, alegria e exibilidade. Ou seja, sobrevive. 

Por outro lado, I. sentia-se dominada por uma culpa, a qual muitas vezes ocultava uma raiva/zanga e que se encontrava dirigida para a própria, mas muitas vezes também para os outros, sob a forma de uma insatisfação e criticismo constantes. Era por isso considerada uma pessoa de relação difícil, vista como sempre insatisfeita. Oscilava entre a idealização do outro, momento em que dominavam comportamentos de sedução para com este, e o criticismo do outro, dominando, então, a insatisfação e a dificuldade em ver as qualidades dos outros (para não falar das suas). 

Tenho sentido, com os meus pacientes, que quando o sujeito vê as qualidades do outro, normalmente tende a inflacioná-las e a desvalorizar-se a si mesmo; quando vê as suas próprias qualidades, pode desvalorizar o outro. Ambas as valorizações parecem não ser possíveis ao mesmo tempo. O valor de um só é possível retirando-se o valor ao outro. Dois lados da mesma moeda. 

Fomos compreendendo como a sua tendência para a idealização assentava no facto de se ter sentido à sombra da luz/valor da irmã e, por isso, tinha a sensação (com origem na zanga) de que só podia brilhar quando a outra luz se apagasse ou deixar de brilhar. Outra forma de dizer isto é dizer que I. sentiu que a sua figura materna não deu devida luz ao seu valor, primeiro por ter estado demasiado focado na sua próprio valor/vida, depois por ter estado focada no valor da segunda filha. Não incidiu, com entusiasmo e alegria, a luz do seu orgulho sobre I., sem tempo afectivo/relacional para se deslumbrar esta... que, por um lado, ficou carente desse deslumbre, inaugural da auto-estima do sujeito e, por outro lado, ficou sem a confirmação do seu valor, duvidando de si mesmo. 

Depois, a transformação da raiva do sujeito face ao desamor do outro em culpa, ambas a mor das vezes inconscientes (a raiva e a culpa), gera sentimentos de desamor por si mesmo (se tu não te deslumbraste comigo, provavelmente eu não tenho valor), anulando os sentimentos de zanga (sou eu que não tenho valor, ao invés de tu é que não tens tempo ou espaço emocional para me reconheceres) que poderiam potenciar a procura de novos sujeitos de relação e, assim, outros olhares sobre si mesmo. 

A intolerância face a si mesmo e face aos outros é a visão mais expressiva de um superego exigente e crítico e de uma dificuldade em gerir a frustração e a decepção, assentes numa carência afetiva onde tudo é sentido como ficando aquém do desejado... e necessário. 

A carência afectiva sentida assenta na percepção da insuficiência das relações precoces em relação às necessidades afectivas e de estímulo e reconhecimento por parte do sujeito, por um lado (aquele que gera a zanga face aos outros, que ficam aquém do desejado/necessário para o próprio), e, por outro, na experiência de uma insuficiência de si mesmo para suscitar o entusiasmo e o crescimento da relação com tais figuras significativas (que gera zanga e frustração e intolerância em relação a si mesmo). Explicitando melhor, existe uma experiência precoce de decepção face à experiência afectiva nas relações precoces. Essa experiência é sobretudo da responsabilidade das figuras significativas, que oferecem um modelo relacional afectivo inconstante ou mesmo desamante ao sujeito. 

A relação terapêutica é palco relacional das dificuldades habituais do paciente e cria sentimentos ambivalentes em termos da contratransferência do terapeuta, que se vê oscilando entre momentos de crença nas capacidades do seu paciente e momentos de descrença e de cansaço face à procastinação da acção e face à ruminação intelectual assente predominantemente numa linha de vitimização e masoquismo. 

A tolerância, a persistência e o afecto verdadeiro que se tem pelo paciente ajudam a suportar com ele tais momentos... mantendo vivos dentro de si mesmo a recordação das características outras do paciente, anuladas por tamanho pessimismo e descrença, e o entusiasmo/crença na capacidade de transformação em si mesmo do paciente. Por outro lado, o entusiasmo que o terapeuta sente pela sua vida ajuda a manter viva a esperança e a vivacidade no seu discurso e modo de ver a vida, não se deixando submergir pelo negativismo e desesperança do paciente. 

Na interrupção da terapia, surge o entusiasmo! 

Ao longo de cerca de sete anos, a evolução que fizemos foi a consciencialização do seu modo de ser e de pensar... e o encetamento de uma relação terapêutica fluida, carinhosa e segura. Não foi fácil, nem para I. acreditar e confiar no meu afecto e interesse por ela, nem para mim transformar internamente os sentimentos de incapacidade, zanga, frustração, irritação que muitas sessões me deixavam... Mas, a verdade é que houve sempre algo que me ligou e me interessou nesta paciente. Talvez nela revisse algumas coisas minhas, talvez sentisse que a podia ajudar a pensar-se, talvez intuisse que levava alguma coisa das sessões, apesar de toda a descrença e aparente indiferença ao que eu dizia... Certamente, sempre me senti “aprisionada” pela sua mente e pela sua crescente capacidade de pensar-se e de pensar a vida. Senti sempre que aprendia muito com ela e que crescia como pessoa e terapeuta nas sessões que tínhamos. 

Mas, refletindo, penso que o mais importante é que de facto eu me enamorei desta paciente e me deslumbrei com as competências que amiúde me ia mostrando: os poemas, o canto, a inteligência viva e crítica face ao mundo e face às pessoas, a ternura dos seus olhos quando falava dos homens por quem se apaixonara e que se tinham apaixonado por ela... Eu sentia que existia uma outra I., terna e amorosa, competente e inteligente, por dentro daquela I. pessimista e de difícil convivência. E procurava conhecê-la o melhor que podia e relacionar-me sobretudo com ela. Essa I. era vida e amor. Só ela poderia destronar a I. amargurada, com raiva do mundo e das pessoas, fechada na sua dor e na sua crença adquirida de não valor próprio. 

Mas o que foi interessante constatar foi que I. manifestou melhoras significativas no momento em que, por causa da crise económica, tivemos, primeiro de interromper as sessões durante alguns meses e depois retomá-las em modo mensal. 

Durante o período de separação, falámos algumas vezes via email e telefonemas. Troca de palavras, de afectos e de incentivo a realizar as coisas de que me falava. 

Quando regressou, vinha outra. O entusiasmo regressara à sua vida e estava a fazer algo que sempre sonhara: cantar num Coro.
Retomara também o contacto com uma grande amiga e era agora capaz de analisar melhor as razões pelas quais se tinham afastado anos idos. Fora capaz de confrontar e falar de forma genuína o homem por quem se sentira apaixonada toda a vida, mas que lhe oferecia uma relação inconstante, pobre e frustrante.
Deitara fora grande parte do lixo que acumulava em sua casa. Encontrara alguma paz no caminho profissional efectuado. Este resultara de uma escolha que se enraizara na sua vida e que, agora, aos 50 anos, se tornava difícil mudar... mas podia encontrar satisfação noutras áreas criativas da sua vida. 

Claro que todas estas situações não eclodiram magicamente na altura da nossa separação. Todas foram amadurecendo durante a terapia, sendo que todas estavam presentes desde há muito no seu pensamento sobre a sua vida. Não haviam tido ainda era uma relação onde pudessem ser verbalizadas e consciencializadas... que foi o papel da relação terapêutica. 

Mas, sem dúvida, foi no período do nosso afastamento que elas tiveram mais consequências. Porquê, pensei eu? 

Primeiro, porque, estando bem presente a ideia de interrupção sem data definida para a retoma das consultas, eu própria tornei-me mais clara no meu entusiasmo e crença pelas suas competências e mais incisiva nas relações que fazia entre o que me fora dizendo da sua vida ao longo destes sete anos de terapia. Demonstrava claramente a minha crença nas suas capacidades para ser agente da sua vida com mais satisfação para si mesma. 

Segundo, porque provavelmente foi a forma de manter viva a nossa relação dentro da própria I., tendo dentro de si o meu entusiasmo e reconhecimento daquelas suas competências. 

Mas também, como me disse, e certamente a mais importante, porque se sentia capaz de fazer as coisas da sua vida por si mesma, sem ter de falar comigo pessoalmente (por vezes lembrava-se de mim e imaginava o que eu lhe diria em certa situação) e de como isso lhe dava uma sensação boa de estar mais independente e autónoma. Ou seja, tinha internalizado a nossa relação... e precisava cada vez menos da minha pessoa física. 

A importância do amor do terapeuta 

Analisando a esta distância o percurso terapêutico que I. e eu fizemos em conjunto, encontro algumas semelhanças entre a fase inicial e o que Winnicott designa por fase de dependência. 

Efectivamente, inicialmente houve uma fase de acolhimento dos sentimentos de I., da sua história e em que me senti identificada a I. e à sua dor. Eu sentia que compreendia I., apesar da sua descrença na terapia e na nossa relação. Penso que a minha identificação a I. facilitava a identificação dos seus sentimentos e as suas necessidades falhadas num discurso muitas vezes agressivo, ininterrupto e racionalizado. Necessidades que também não eram aceites pela própria I., muitas vezes nem consciencializadas, resultado da identificação à relação que tivera com a sua mãe. 

Tal não consciencialização e denegação gerava em mim raiva e ódio... quase raiando o desespero. Mais uma vez, eu estaria sentindo sentimentos não conscientes da própria I. em relação à desatenção e ao desamor da sua mãe. Ou seja, como se no “teatro” da sessão, ela protagonizasse a figura materna internalizada e eu a I. pequenina. 

A pouco e pouco, passámos a ser Catarina e I., a medida que para mim eram transferidas as funções maternas e parentais que haviam falhado. 

Nesta fase, parecia que apenas eu acreditava no progresso de I. e nas suas competências para tomar as rédeas da sua vida. No fundo, eu sentia-me como se desempenhasse o papel da mãe confiante e amante que acreditava no desabrochar da sua filha e na sua capacidade de tomar as rédeas da sua vida e escolher caminhos bons para si mesma... mesmo que isso demorasse tempo. I. procrastinava e desesperava. Não acreditava. Sentia-se inútil e sem vida. 

Só muito mais tarde é que começámos a ter uma relação de igual para igual. Catarina e I. num tipo de relação mais maduro e onde se notava menos a assimetria. I. assumia um papel mais proactivo na sua vida. I. crescera e já não era o bebé ou a menina pequenina que precisava do olhar da mãe para se identificar. Com essa base consolidada, I. podia agora olhar melhor para si mesma e reconhecer-se a si mesma. Podia identificar-se consigo mesmo. 

Depois de um longo período de dependência do olhar da mãe/terapeuta sobre si mesma, agora, como uma jovem, I. já não precisava desse olhar da mesma forma. Ele estava internalizado. O olhar era agora dela sobre si própria. Um olhar que reconhecia o seu valor, que identificava as suas competências e que compreendia as suas limitações e defeitos. Um olhar mais completo e sobretudo mais tolerante. 

Entusiasmo gera entusiasmo 

É o entusiasmo, porque nasce do amor, que nos faz mover na vida e que nos dá a certeza de sermos gostáveis e admirados por outros (uso aqui o termo admiração no sentido de reconhecimento). Só depois da experiência de sermos amados, reconhecidos e impulsionados de forma entusiasmada (o que é vivido como crença inabalável da parte do analista das competências do próprio, mesmo que imberbes ou inibidas – que lhe possibilita visualizar dentro da sua mente um projecto de vida para aquele paciente), é que conseguimos criar ou desbravar novos caminhos para serem trilhados quando outros se mostram infrutíferos ou demasiado difíceis de cultivar e dar frutos. 

Na relação terapêutica, o amor/interesse pelo paciente, que pode não nascer logo na primeira sessão, é o ingrediente necessário e deve servir de fator de diagnóstico, considerando-se fator basilar para o bom crescimento e desenvolvimento da relação terapêutica. 

Quando gostamos de alguém, sentimos interesse e prazer em estar com ela, mas sobretudo apostamos nessa pessoa. Apostamos/cremos no seu desenvolvimento/crescimento, e é esse entusiasmo e crença que são sentidos, na comunicação intersubjetiva, pelo paciente e potencia neste um olhar sobre si mesmo noutra perspectiva: como alguém gostável, mas sobretudo como alguém com potencial e valor. Um olhar fundamental para dar sentido e projecto de vida ao sujeito. Um olhar que faz nascer psicologicamente o sujeito – como ser humano com futuro na sua sociedade. 

Quando assim acontece, existe maior probabilidade de o par terapêutico trabalhar para a sintonia, o que potencia a fluidez na relação, assente numa base segura de tolerância e de crença no amor de ambos os intervenientes. A constância/continuidade desta nova/ diferente relação (conceito de Coimbra de Matos) proporcionada pelo terapeuta tem repercussões no paciente, porque é internalizada, ou seja, porque as características desta relação entram na “corrente” sináptica do paciente e instauram mudanças importantes ao nível do arranjo hormonal no cérebro... e vão potenciando a transformação do modo do paciente se relacionar consigo mesmo e com os outros. A relação proporcionada pelo terapeuta, quando genuína e constante, e porque significativa em termos emocionais para o paciente, tem o mesmo poder de influência cerebral que a relação parental. E tem o potencial de estimular uma refundação do estilo relacional do sujeito, na medida em que o sujeito tem outro tipo relacional a que se moldar/responder, o que tem necessariamente repercussões em termos da organização química do cérebro. 

No caso de pacientes com depressão é precisamente o olhar sobre si mesmo que está distorcido, inibido, anulado ou é inconstante e que influencia uma atuação pobre, inibida, inconstante ou desistente na vida, e que é “alterado” pela internalização da relação banhada pela crença e pelo entusiasmo genuínos do terapeuta pelo paciente. A relação entusiasmada do terapeuta com o seu paciente estimula a emergência de uma outra hipótese de relação do próprio consigo mesmo. 

Nestes casos, o entusiasmo do terapeuta é tão importante quanto a sua capacidade de pensar sobre o paciente. Efectivamente, como no caso desta paciente, existia uma boa capacidade de pensar-se e de analisar a sua vida, mas faltava o entusiasmo para que pudesse descentrar-se do negativo, da falha e pudesse, então, iluminar e conquistar os aspectos positivos. 

Às vezes ouvia a paciente dizer: “Nem sei bem o que me disse, mas senti que fez sentido dentro de mim”. Penso que são situações em que predominou o vívido emocional do meu entusiasmo, crença, reconhecimento e amor. E isso é algo indissociável da pessoa real do terapeuta – quando real e autênticos foram os seus sentimentos pelo paciente. 

Resposta da mãe/do pai ao poema do bebé 

«Sim, minha filha, sei-o. Quando olho para ti e vejo a atenção que colocas em mim e no meu olhar, compreendo logo o quanto sou importante para ti. Compreendo o quanto o teu crescimento depende do meu amor, da minha alegria, do meu orgulho em todos os teus pequeninos gestos. E medida que cresces, apercebo‐me o quanto a minha maneira de ser, contigo e com os outros, influencia a formação da tua personalidade. Sabes quando me apercebi claramente disso? No dia em que deixaste de olhar e rir para a minha imagem refletida no espelho e passaste a olhar e a rir para ti mesma refletida no espelho. Para ti, que sempre tinhas estado ali, ao meu lado, no meu colo, mas que ainda não te tinhas apercebido. Só olhavas para mim! E de repente, sorriste para ti da mesma maneira que eu costumo sorrir para ti. Reconhecias-te… porque havias sido reconhecida por mim. Vias-te agora, porque havias sido anteriormente vista por mim.» 

 

Referências Bibliográficas 

Winnicott, D. (1983/2007). O ambiente e os processos de maturação. Estudo sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Artmed. 

Notas de rodapé

1 – Versão modificada da comunicação com o mesmo título, pronunciada no II Congresso Winnicott Luso-Brasileiro: A retomada do amadurecimento, Lisboa, 20 e 21 de Junho de 2014.
2 – Psicoterapeuta. Membro AP 

Title

The importance of the therapist enthusiasm to the retake of the development 

Abstract 

Starting from Winnicott’s idea of the need for early phase dependence on personality development and its implications for the design of the therapeutic relationship, it is intended in this article reflect on the importance of the therapist falling in love for their patient, contributing to an greater tolerance and empathy due to the need of patient dependency, but also re et about the importance of the therapist’s enthusiasm for life, his and that of his patient, in cases of depression and depressividade, to the extent that such enthusiasm contributes to the “retake of development” of the patient and to the emergence of a relational style that tends to be more healthy and proactive. 

I would like to stress that such enthusiasm contributes to the establishment of a living relationship, where a therapist, playing a function that resembles the parent function, inserts his patient in life and is capable of dreaming and project him in a future of achievement and expansion of its capabilities. Add to that the fact that the therapist’s enthusiasm for his own life is a personal and relational characteristic that is potentially different from those of its primary and significant figures and, therefore, can be a different figure of identification and relational style.