Neste excelente livro é relevada a importância da teoria da vinculação através dos contextos cultural, clínico e social, assim como a aplicação dos princípios da relação de vinculação à intervenção com diversos grupos de crianças e famílias. Os contributos dos colaboradores desta obra, destacados cientistas neste campo, ilustram a consistência da investigação na área da vinculação nos contextos culturais, da privação precoce extrema, dos fenómenos traumáticos e do desenvolvimento cerebral.
Numa primeira parte, alguns capítulos abordam os fundamentos das teorias de vinculação e sua relação com o desenvolvimento normal e patológico. Outros apresentam evidências científicas em diferentes estudos, com populações de diferentes culturas de todos os continentes, acerca da ligação da vinculação segura e da sensibilidade materna, nessa enorme variedade de culturas. Outros capítulos ainda exploram o papel do medo e do fenómeno traumático no desenvolvimento da vinculação. Um deles estabelece relações intergeracionais entre a história parental de trauma, estados dissociativos da mente e a vinculação desorganizada da criança. Um outro observa as consequências de privação extrema precoce (institucionalização) na forma da criança se vincular e ainda um outro aborda o impacto das experiências de vinculação no desenvolvimento do cérebro.
Numa segunda parte, o livro divulga e analisa a intervenção guiada pela teoria da vinculação, a investigação em áreas como o medo e o trauma, bem como apresenta um olhar de como as experiências de vinculação deixam marcas na mente e no comportamento dos pais.
Não poderia naturalmente ser mais atual, útil e interessante para quem se interessa pelo desenvolvimento humano ou trabalha na área, o que talvez tenha levado Peter Fonagy a afirmar “este é um resumo maravilhoso e muito bem escrito da atual teoria e pesquisa sobre a vinculação e sua relação com o trabalho psicanalítico. Os autores abordam de forma excecionalmente clara os pontos de contacto mais importantes entre a teoria da vinculação e a prática psicodinâmica, em perfeito alinhamento com a visão de John Bowlby, que adoraria ler este excelente volume. É um dos melhores resumos disponíveis num dos campos mais relevantes para os psicoterapeutas de hoje.”
No primeiro capítulo, L. Alan Sroufe, um dos três editores da obra e professor demeritus de Psicologia da Criança no Instituto de Desenvolvimento da Criança da Universidade do Minnesota, começa por fazer uma abordagem do pensamento de Bowlby e da Teoria da Vinculação, que considera desde sempre uma teoria transversal a todas as culturas, distinguindo-a de outras abordagens psicológicas, designadamente as associadas aos conceitos de pulsão e de traços da personalidade.
Continua com a explanação dos fundamentos da vinculação, partindo daqueles que considera ser as duas hipóteses centrais de Bowlby: Uma, que as variações na qualidade das relações de vinculação infantis são baseadas em padrões de interação entre a criança e os seus cuidadores no primeiro ano de vida; E outra, de que essas variações da qualidade de vinculação são as fundações para a organização da personalidade posterior, seja para a saúde, seja para a perturbação. Nesse sentido, considera que se deve pensar na vinculação como uma qualidade da relação e não como um traço de personalidade do bebé, distinguindo-a do temperamento.
Na teoria da vinculação, a criança é vista como tendo nascido e crescido envolvida numa matriz relacional organizada, da qual o seu self emerge. No ponto seguinte demonstra porque considera a vinculação uma teoria transcultural, através da evidência empírica de numerosos estudos, designadamente alguns de coautores desta obra, que têm comprovado que o núcleo de pressupostos das teorias de vinculação (figuras cuidadoras) como fonte de segurança para uma vinculação de base segura atravessa todas as culturas estudadas, apesar das diferenças interculturais nas práticas parentais e nos comportamentos das crianças.
A preocupação e o cuidado com o bem estar humano em geral, particularizado na empatia do clínico em terapia, são facilitados, na perspetiva do autor, não só com a abordagem do desenvolvimento a partir do saudável em vez do patológico, mas principalmente com a operacionalização dos conceitos e estudo das suas interligações, que têm proliferado, dando-nos novas perspetivas e aprofundamento das anteriores.
Daí a importância que o autor dá à investigação na área da vinculação, que considera de uma grande utilidade clínica, não só para compreender a etiologia dos problemas, a sua emergência passo a passo, desde o início dos relacionamentos precoces, como também realça o papel desta perspetiva desenvolvimental na prevenção e intervenção precoce, podendo apontar ainda o caminho a seguir no processo terapêutico em questão, estudos esses que o autor irá partilhando ao longo da sua exposição.
Passando a falar do suporte científico da teoria da vinculação, Stroufe aponta como a ampla investigação desenvolvida por todo o mundo tem vindo a confirmar as duas hipóteses centrais de Bowlby, que a variação na qualidade da vinculação deriva dos padrões de responsividade e sensibilidade dos cuidadores no primeiro ano de vida e que as variações são a fundação das diferenças individuais no funcionamento da pessoa no futuro.
Continua, considerando que o papel da vinculação precoce no desenvolvimento da personalidade pode ser conceptualizado em cinco bases fundadoras: A primeira, a base motivacional, na medida em que uma vinculação segura permite desenvolver expectativas das relações (confiança básica); A segunda base teria a ver com a atitude, com o desenvolvimento de expectativas socialmente positivas a partir da vinculação positiva; A terceira, uma base instrumental com o desenvolvimento do gosto e capacidade para jogar e descobrir; A quarta, uma base emocional relacionada com a capacidade de autorregulação emocional; E, finalmente, a quinta, uma base relacional relacionada com a noção de reciprocidade.
Aborda, ainda, a relação entre vinculação e psicopatologia, enquanto processo de desenvolvimento cumulativo, construído passo a passo através de múltiplas influências ao longo do tempo.
Nesse sentido, as relações precoces perturbadas não se constituem em si mesmas como patológicas ou causas directas de patologias posteriores. Deverão ser vistas antes como base a partir da qual se desenvolvem caminhos que, influenciados pelas experiências vividas ao longo do desenvolvimento, determinarão diferentes desordens psicopatológicas, algumas ilustradas nesta parte do artigo.
Considera, igualmente, a resiliência como o resultado do desenvolvimento baseado na qualidade da vinculação, construída passo a passo com cuidados prestados com responsividade e sensibilidade conducentes a uma vinculação segura.
A vinculação seria, assim, equivalente a um núcleo de desenvolvimento, na medida em que constitui a base inicial a partir da qual se desenvolvem estes complexos processos. Sustenta, a partir destas observações, que as relações de vinculação precoce não só são de enorme importância teórica, como também são as fundações para o desenvolvimento posterior. A vinculação precoce é assim fundamental, não só pelos caminhos desenvolvimentais iniciais que determina, como também pelas suas conexões com funções de desenvolvimento tão importantes como os relacionamentos sociais ou a curiosidade, entre outros.
No capítulo dois, “Universalidade e Especificidades nas Relações de Vinculação Criança-Mãe”, Germán Posada e Jill M. Trumbell procuram respostas para a compreensão da especificidade cultural e a universalidade das relações de vinculação criança-mãe. Estes investigadores na área do desenvolvimento humano e estudos sobre famílias afirmam que, para compreender a influência que a cultura tem no processo de vinculação, é importante reconhecer, por um lado, aquilo que poderá ser universal e comum em todas as culturas e, por outro, aquilo que poderá ser específico de algumas em particular.
Relembram que Bowlby integrou num novo modelo instintual do comportamento aspetos dos sistemas de controlo da Etologia e das suas próprias observações e pesquisas a propósito da separação, propondo especificamente que o comportamento de vinculação é organizado na infância através de um sistema básico de controlo que emerge pela interação das capacidades de aprendizagem infantil e aquilo que denominava “sistema de cuidados parentais” [ordinary expectable caregiving environment].
Abordando a investigação que se tem vindo a fazer ao longo dos tempos, começam por referir os diversos estudos realizados por Ainsworth que vieram confirmar, desde o início, a transversalidade da vinculação entre diferentes culturas, universalidade esta que não descarta as especificidades de vinculação em diferentes contextos culturais.
Passam a referir depois outros dois estudos que testaram especificamente a universalidade de base segura de vinculação entre vários países de diferentes culturas (1995).
Em ambos os estudos, as descrições dos comportamentos indicam que as crianças em todas as amostras recorrem à sua mãe como uma base segura, concluindo que esta noção do fenómeno de segurança básica é transversal a todas as culturas.
Outra noção relacionada e igualmente importante é a área da sensibilidade. Vários estudos têm confirmado que a sensibilidade materna está significativamente associada à segurança da vinculação da criança, de forma transversal em diferentes culturas e contextos sociais.
Concluem que todos estes estudos abordados ao longo do artigo suportam a ideia de que existem numerosas facetas da vinculação comuns a diferentes culturas e contextos. Todas as crianças irão vincular-se a pelo menos um cuidador primário e irão usar essa figura de vinculação (mais frequentemente a mãe) como uma base segura para as suas explorações do mundo. As investigações sugerem variabilidade na forma como as crianças e as suas mães implementam essa relação de base segura em modos específicos de comportamento, consoante diferentes contextos socioculturais, constituindo as diferenças e especificidades nas relações de vinculação.
No capítulo três, “Respostas Desorganizadas ou não Resolvidas Relativas à Morte de Pessoas Significativas”, Naomi I. Gribneau Bahm, Mary Main e Erik Hesse, Professores de Psicologia da Universidade da Califórnia e percursores de variados trabalhos no campo da vinculação e sua avaliação psicométrica, debruçam-se sobre as relações entre comportamentos parentais desencadeadores de medo e desorganização na criança, através da reflexão de reações desorganizadas à morte de pessoas significativas.
Começam por sublinhar que, nos anos oitenta, as principais hipóteses defendidas por Bowlby já tinham sido consideravelmente sustentadas pela investigação. Primeiramente foi demonstrado que as variações na qualidade da vinculação de uma criança aos seus cuidadores está relacionada com a história interativa com aqueles, e depois que essas variações na segurança da vinculação pode fazer prever aspetos chave do funcionamento futuro dessa criança, como confiança, autoestima, autonomia e independência.
A Escala da Vinculação do Adulto (AAI) é uma das formas onde se pode observar esses fenómenos, abordando também, entre outros aspetos, experiências de perda por morte, assunto que os autores se propõem abordar neste artigo, pela sua importância clínica, associada às perdas não resolvidas.
Exploram particularmente o papel do medo como um obstáculo à resolução da perda, refletindo sobre as possíveis origens desses medos e como podem interferir com a resolução da perda.
Depois de revisitar vários teóricos da vinculação sobre o assunto, começando pela própria visão de Bowlby, os autores expõem a sua perspetiva. Consideram a vinculação desorganizada um fenómeno independente das categorias de vinculação segura-insegura de Ainsworth.
Desorganização numa criança pode, por exemplo, ser o resultado de uma segunda geração de uma experiência traumática vivida pelos pais, em contraposição com os maus tratos diretos dos pais. Esse é o foco dos autores e, da leitura desses fenómenos na AAI, sublinham que comportamentos parentais desencadeadores de medo se correlacionam com comportamentos desorganizados nos seus filhos, conforme relatórios de diferentes amostras de variados países. Por outro lado, alguns estudos de neurociências têm sugerido que o comportamento “assustado” ou “assustador”, que muitos pais não resolvidos exibem perante os seus filhos, podem indicar a existência de alguns estímulos de leitura idiossincrática do ambiente ou, alternativamente, estímulos internos do próprio, desencadeando estados dissociativos, desde medianamente alterados até definitivamente instalados.
Os autores concluem que os pais identificados como não resolvidos na AAI darão origem a vinculações desorganizadas, assim como os comportamentos parentais “assustados” ou “assustadores” na presença dos filhos, a sequelas desfavoráveis na infância, adolescência e adultícia, não só em termos de desvantagens sociais e desenvolvimentais, como também em termos do aumento do risco de psicopatologia. O medo tem estado no coração da teoria da vinculação desde o início. É sobre esta emoção que o sistema de vinculação atua no sentido de proteger o vulnerável bebé.
Este artigo teve o intuito de sublinhar o papel do medo na investigação da teoria da vinculação. Quando o medo interfere com a resolução das perdas ou das experiências traumáticas será muito provável que tenha havido disrupções ou distorções nas experiências precoces de vinculação. Do mesmo modo, essa falta de resolução de perdas baseada no medo, deixa o adulto vulnerável a estados dissociativos e a manifestações de comportamentos de medo anómalas.
As memórias dissociadas e não resolvidas podem ser evocadas nas relações de vinculação precoce, criando situações de risco para o bebé, não sendo por isso de estranhar que o medo esteja fortemente associado à maior parte das problemáticas clínicas de vinculação precoce.
No quarto capítulo, “Investigação em Vinculação nos meios Urbanos e Rurais do México”, Sonia Gojmam-de-Millan, coeditora desta obra, juntamente com Salvador Millán, Gaudalupe Sánchez e Patricia González Duarte, como ela destacados investigadores, clínicos e didatas na área da Vinculação e sua relação com os diferentes contextos sociais, têm dois objetivos principais: descrever a sua investigação internacional em relações de vinculação, contrastando grupos mexicanos diferenciados em termos étnicos e socioeconómicos, e apresentar esse trabalho integrando a perspetiva socioeconómica de Enrich Fromm, com a investigação em vinculação.
Começam por apresentar excertos de três casos de crianças entre os oito e os nove anos, exemplificando os contrastes das suas experiências do dia-a-dia e os seus estados emocionais conforme medidos no SIQCH [Social Character Interpretative Questionnaire 6-14Y].
Refletindo sobre os estudos de vinculação e a caracterização social relembram como os estudos longitudinais têm contribuído fortemente para confirmar as consequências das relações de vinculação precoce com os seus cuidadores, ao mesmo tempo que remarcam a grande diversidade étnica e sociocultural, bem como grandes diferenças socioeconómicas entre os grupos investigados por todo o mundo.
Continuam, referindo um estudo que orientaram em vinculação precoce e carácter social entre dois grupos de díades mãe-criança contrastantes em termos étnicos e socioeconómicos (um grupo urbano de famílias mestiças de classe média, média-alta e alta e outro grupo rural de famílias índias Nahua pobres e muito pobres). Os resultados sugerem que as medidas adultas de vinculação na aferição espanhola, em mães urbanas mestiças e em mães rurais Nahua, correspondem às categorias de vinculação infantil semelhantes às encontradas noutras populações.
Este estudo, como outros, vem reforçar que a teoria de Bowlby é pertinente não só para a classe média caucasiana, mas também para meios rurais, aborígenes, neste caso a viver no México. Confirma ainda que a segurança da vinculação deriva da sensibilidade e responsividade parental, aspetos confirmados em todos os contextos experimentais.
Revendo os resultados à luz das diferenças socioeconómicas e capacidade produtiva (mães produtivas versus mães não produtivas), os autores encontraram nestas dimensões do carácter social, comparando as tendências produtivas e não produtivas com a qualidade do cuidado materno, que as mães mais produtivas estão mais frequentemente associadas a crianças com um padrão seguro de vinculação, assim como tendem a ser mais sensíveis a cuidar dos seus bebés, de acordo com a escala de sensibilidade de Ainsworth. Igualmente as mães produtivas apresentam mais frequentemente níveis de autonomia e segurança mais altos, enquanto que as não produtivas tendem a ser classificadas como inseguras e não autónomas na escala AAI, independentemente da proveniência do meio ser rural ou urbana. Verificaram ainda que as tendências para a produtividade ou improdutividade estão relacionadas com os padrões de vinculação dos bebés e com a sensibilidade das mães no tratamento dos seus bebés.
Concluindo, sublinham que, nas suas investigações, confirmaram aquilo a que chamam a “hipótese universal”, de que todas as crianças, se lhes for dada oportunidade, se vinculam a um ou mais cuidadores, excetuando nos casos extremos de perturbações neurofisiológicas; Bem como a “hipótese normativa” de que a maioria das crianças se vincula de forma segura, sem prejuízo das exceções em que se podem vincular de forma insegura; E ainda a “hipótese da sensibilidade”, de que a qualidade da vinculação, mais ou menos segura, depende da forma como a criança é cuidada pelos pais, particularmente no que se refere à sensibilidade e à capacidade destes para responder prontamente aos sinais da sua criança.
Quanto ao desafio a que se propuseram de integrar a investigação em vinculação com a perspetiva socioeconómica, consideram que os recursos socioeconómicos não devem ser encarados num sentido abstrato, mas antes examinados à luz dos costumes e hábitos diários da cultura que se está a estudar.
No capítulo quinto, “Vinculação no contexto de uma mente cooperativa e partilhada”, Mauricio Cortina, distinto defensor da Teoria da Vinculação, quer através do seu pensamento inovador, do ensino, da investigação e da partilha do mesmo, quer do seu trabalho clínico, quer principalmente através da participação em diversas instituições que têm promovido o conhecimento nessa área, como a Washington School of Psychiatry, Ibero-American Attachment Network e o Seminário de Sociopsicanalisis A.C. Mexico, entre outras, pretende abordar a vinculação na perspetiva da mente que se dá a conhecer aos outros.
Releva, entre os trabalhos sobre vinculação, o de Jude Cassidy (2008), que propõe uma tipologia de sistemas de comportamento composta por Vinculação, Exploração, Sistema de Medo, Sistema Social e Sistema do Cuidado do Próprio, e o de Liotti (2014), que acrescenta ainda Implicação Social e os Sistemas Cooperativo e Competitivo.
O autor propõe-se continuar neste artigo a desenvolver este projeto tomando uma abordagem diferente.
Em vez de questionar que outros tipos de ligações afetivas e sistemas motivacionais podemos encontrar nos humanos, propõe-se investigar se as relações humanas são muito diferentes das que se encontram nos outros mamíferos e, se forem, qual a natureza dessa diferença e que efeitos terá para a nossa espécie e para o desenvolvimento humano.
A tese central deste artigo é que a principal diferença nos relacionamentos da nossa espécie e dos nossos parentes primatas é motivacional e intersubjetiva.
O aspeto relacional terá a ver com a predisposição humana para procurar e partilhar a companhia dos outros e o aspeto intersubjetivo basear-se-á na capacidade de colocarmos os nossos pensamentos e emoções acessíveis aos outros, compreendendo e comunicando uns com os outros. Segundo o autor, será essa combinação das motivações pro-sociais e da capacidade empática, colocando-nos na trajetória evolutiva, que permitirá a emergência da linguagem e das capacidades simbólicas.
Uma das hipóteses centrais deste artigo é que as capacidades de mentalização têm a sua origem na capacidade intersubjetiva para se envolver e responder socialmente às emoções dos outros.
De acordo com o autor, estas capacidades intersubjetivas desenvolvem-se em conjunto com o desenvolvimento de uma vinculação segura com os primeiros cuidadores. Ter uma vinculação segura permite à pessoa envolver-se socialmente e tornar-se uma pessoa aberta a partilhar as suas experiências com os outros (sistema intersubjetivo de envolvimento social). A seu tempo, uma história de vinculação segura e de experiências de envolvimento emocional positivo suportará capacidades de cooperação e de mentalização.
Quando estamos stressados, doentes ou assustados, o sistema de vinculação é ativado e o sistema intersubjetivo de envolvimento social fica temporariamente em segundo plano. Depois do sentimento de segurança ser restaurado, o indivíduo volta novamente a estar disponível para o envolvimento e cooperação com os outros.
Neste artigo, o autor explora as relações entre vinculação, envolvimento intersubjetivo e as capacidades de cooperação e de mentalização, dos pontos de vista da evolução e do desenvolvimento, tentando demonstrar como este ponto de vista evolutivo-desenvolvimental tem importantes implicações, não só na forma de entender o desenvolvimento normal e patológico, como também para a prática da psicoterapia psicanalítica.
Começa por analisar o modelo das origens cooperativistas da nossa espécie, baseado no trabalho de Michael Tomasello e colegas, complementando-o com a perspetiva evolucionista de Sarah Hrdy de que “tornar-se emocionalmente moderno” poderá ser o primeiro passo para ser cognitivamente, simbolicamente e culturalmente moderno, constituindo assim a modernidade emocional um requisito para o envolvimento intersubjetivo e que este desejo de se envolver emocionalmente com os outros tornou-se a base para entender a mente dos outros. Depois debruça-se sobre como a cooperação humana é diferente da observada nos primatas, detendo-se numa perspetiva desenvolvimental com base nas evidências de estudos longitudinais que suportam que a capacidade para cooperar efetivamente depende da qualidade da vinculação, em termos de segurança e cooperação. Reforça que, para além da qualidade humana para cooperar com os outros, também a capacidade de se envolver socialmente, reagir emocionalmente e de partilhar experiências com os outros, em interações cooperativas e lúdicas, nos distinguem dos nossos parentes primatas, comparando resultados daqueles estudos entre humanos e chimpanzés.
Finalmente, tenta demonstrar a relação entre vinculação, intersubjetividade e capacidade de mentalização, defendendo que as capacidades de cooperação e de mentalização têm as suas raízes numa base segura para exploração e uma forma primária ou simples de leitura da mente intersubjetiva, consistindo em conhecer e ser conhecido. Ilustrará estas perspetivas com um caso clínico.
Depois de fazer uma extensa revisão da literatura dos autores que estudaram aspetos relacionados com a reflexão e dos seus próprios trabalhos, conclui que a capacidade para cooperar entre humanos excede francamente capacidades similares observadas nos chimpanzés. Defende que a capacidade para cooperar é suportada por uma motivação básica para partilhar experiências e ajudar os outros e pela capacidade de tornar a nossa mente acessível aos outros.
Essas capacidades expandem o significado de estar emocionalmente envolvido com outros, acrescentando a necessidade de companheirismo e partilhando a necessidade de segurança e proteção de figuras de vinculação. Segundo o autor, a necessidade de companhia e partilha é parte e parcela de uma modernidade emocional intersubjetiva da espécie. A nossa capacidade evolutiva para nos vincularmos, partilharmos experiências, cooperarmos, procurarmos companheirismo e ajudarmos os outros será, não só a base para a existência humana, como também a base para sermos capazes de reparar e reacender a nossa humanidade comum em psicoterapia.
No capítulo sexto, “Vinculação nos extremos, aprender com o Projeto de Intervenção Precoce de Bucareste”, os autores, Charles H. Zeanah, Nathan A. Fox e Charles A. Nelson, estudiosos do desenvolvimento infantil, condições adversas e neurociências, propõem-se rever os estudos de vinculação com crianças com experiências de institucionalização, enquadrando-os com os resultados do Projeto de Intervenção precoce de Bucareste, um estudo longitudinal de intervenção com crianças que passaram por experiências de privação profunda, cuja intervenção foi orientada pela teoria e investigação em vinculação. Sublinham pesquisas recentes que bem documentaram perturbações da vinculação em crianças institucionalizadas, assim como em crianças adotadas por famílias que as integraram.
Baseando-se nos estudos descritivos do século XX, identificam dois tipos de distúrbios sérios do comportamento social. Num deles, as crianças mostram-se retiradas emocionalmente, socialmente não responsivas e emocionalmente desreguladas. No segundo padrão, as crianças estavam socialmente envolvidas, mas de modo não seletivo. Aproximavam-se de adultos desconhecidos sem hesitação, mostrando comportamentos de chamada de atenção e violando as normas sociais relativamente a limites físicos e verbais, padrões estes considerados desordens de vinculação.
Abordam alguns outros estudos que apontam no mesmo sentido, nomeadamente alguns realizados na Ucrânia, Roménia, Canadá, Grécia e Reino Unido. Analisando-os em conjunto, os autores constatam que todos estes estudos sugerem que crianças com experiências de institucionalizações apresentam um risco aumentado de problemas subsequentes. Referem a propósito que uma recente meta análise reporta que, entre crianças institucionalizadas, apenas 18% apresentam uma vinculação segura, 28% evidenciam vinculação insegura e 54% vinculação desorganizada. Ainda assim, revelam que 78% das crianças institucionalizadas classificadas como tendo uma vinculação segura se situaram a um nível 3 ou mais baixo na avaliação contínua no nível de vinculação, sugerindo que a vinculação segura em crianças institucionalizadas terá um significado diferente do das que vivem em casas familiares.
Em Bucareste, como noutros estudos, aquelas crianças evidenciaram sinais significativos de desordens de vinculação (vinculação desorganizada ou não classificável) e processos incompletos de formação de vinculação com muito maior significado do que as crianças a viverem em casas familiares (adotadas ou não).
Desta constatação os autores retiram que a colocação de crianças em casas familiares se constitui um poderoso meio para reduzir ou mesmo eliminar este tipo de sinais patológicos. Os autores continuam sublinhando que estes estudos sugerem a existência de um período sensível durante os primeiros dois anos de vida para a capacidade de formar uma relação de vinculação segura. Constatam que a vinculação foi severamente comprometida nas crianças estudadas que foram abandonadas no nascimento, mas, quando eram adotadas por famílias antes dos 24 meses, conseguiam muito frequentemente desenvolver vinculações seguras e organizadas.
Concluem que, de acordo com os resultados, parece que muitas crianças que permanecem em condições de privação podem não ter desenvolvido completamente relações de vinculação com os seus cuidadores, comprovando que a vinculação é bastante vulnerável aos efeitos de privação. Por outro lado, sublinham que a segurança de vinculação funciona como uma chave protetora nestas crianças com histórias de privação severa, sustentando que estas poderão ser ajudadas a recuperar dos efeitos adversos dessa privação, através de intervenções de desenvolvimento intencionalmente orientadas para a formação de uma vinculação segura.
Finalizam o artigo concluindo que a possibilidade de reforçar a vinculação através de relações com cuidadores competentes, designadamente famílias adotivas, permitirá uma recuperação tanto melhor quanto mais cedo for iniciado esse processo.
O capítulo sete, primeiro da parte clínica, aborda a integração dos conceitos de Vinculação, Mindfulness e neurociências, na sua relação com a clínica. O seu autor, Daniel J. Siegel, reconhecido investigador especialista em Vinculação, Neurobiologia e Desenvolvimento da Mente em todo o mundo, expõe algumas formas de olhar a vinculação, que a ligarão às neurociências e a este trabalho recente do Mindfulness.
Nos últimos 25 anos, o autor tem vindo a trabalhar numa abordagem que combina todos os campos da ciência através deste novo e abrangente campo que é a Neurobiologia Interpessoal, recorrendo, entre outros instrumentos, à AAI, que permite avaliar como o adulto usa a sua capacidade para conhecer a sua própria mente e como isso permite prever de forma robusta a segurança de vinculação enquanto criança.
Uma das interrogações que o levou a estudar estes fenómenos foi o querer perceber o que acontece no cérebro quando a pessoa consegue sentir que a sua vida faz sentido. Nessa perspetiva, tentou ler o que diz a AAI no percurso ao longo do desenvolvimento até atingir esse ponto. Na exploração da temática, opina que a integração relacional estimula o crescimento da integração neuronal, na medida em que todas as formas de regulação – da emoção ou do afeto, da atenção, do pensamento, do comportamento e das relações – dependem de fibras cerebrais que ligam amplamente as áreas anteriormente separadas entre si, o que, segundo o autor, definirá o conceito de integração.
Essa regulação depende sempre de habilidades estruturais e funcionais para ligar diferentes áreas. Considera haver um triângulo inseparável constituído pela mente, pelo cérebro corpóreo e pelas relações. Interroga-se como é que as relações como a vinculação modificam o trabalho da mente e a estrutura e as funções do cérebro.
O cérebro é, fundamentalmente, um órgão do corpo que permite que as transformações eletroquímicas energéticas possam ocorrer. Este sistema triangular será aberto a influências exteriores, é capaz de ser caótico e não é linear, o que significa que de pequenos inputs podem resultar consequências altamente imprevisíveis.
Na continuidade, propõe que a mente humana é esse aspeto de organização do self a partir da informação energética flutuante que acontece dentro de nós e entre nós, isto é, que a mente é um processo emergente de organização do self que regula a informação energética, com uma qualidade matemática designada coerência (integração), na medida em que a ligação de diferentes elementos que permite um processo de organização do self para transformar um sistema num modo mais flexível e adaptado.
Na sua exposição, e em consonância com os estudos da plasticidade neuronal, defende que as vinculações inseguras e/ou desorganizadas seriam exemplos da imparidade de integração no cérebro. Quando a fonte do terror é aquele que deveria proteger passa a haver uma impossibilidade. Uma parte do cérebro diz para se afastar da fonte do perigo enquanto outra diz para procurar segurança junto dos cuidadores.
Apesar de termos só um corpo, temos dois circuitos no cérebro que, nesta situação, se tornam literal e profundamente não integrativos por causa deste aspeto neuronal. Deste modo, considerando estes dois aspetos, o autor concorda com Marty Teicher quando defende que a vinculação promove o desenvolvimento das fibras que ligam os lados esquerdo e direito do cérebro, enquanto o abuso e a negligência provocam a imparidade, sendo o corpo caloso que é afetado. Relembra, ainda, que a desorganização e a dissociação são severas imparidades da função integrativa do cérebro.
Quando não há integração é o caos ou a rigidez, mas podemos e devemos orientar a nossa intervenção para devolver precisamente essa integração.
O autor considera que mudanças mais recentes e consolidadas criam também uma mudança estrutural no cérebro e, nessa perspetiva, a psicoterapia pode efetivamente mudar a estrutura cerebral através de mudanças ao nível das sinapses, dos neurónios, da mielina e esperemos que também a nível da epigenética, para melhor.
Alguns estudos mostraram que o que fazemos com a nossa mente pode efetivamente mudar uma enzima chamada “Telemerose” que mantém e repara as terminações dos cromossomas que são necessários para se ser saudável.
Afirma o autor que hoje se sabe que, praticando meditação ou Mindfulness, se pode aumentar o índice de telemerose, pelo que recomenda a sua prática a pessoas com perturbações.
Quem viveu experiências traumáticas ou abusos continuados, provavelmente expressará essas horríveis experiências nas moléculas epigenéticas, que, com o tempo, passarão para o esperma e para o ovo.
Conclui com uma ideia final sobre integração, afirmando que se percebe essa mesma integração no hipocampo e no corpo caloso, mas primariamente na região pré-frontal. O córtex pré-frontal controla a regulação da emoção sendo flexível na forma de responder. Reduz o medo, aumenta o insight do self, regula a empatia com os outros, a moralidade e até a intuição, fenómenos estes bem comprovados pela investigação como associados à vinculação segura.
No capítulo oito, segundo da parte clínica, Minding the Baby®, o impacto, as investigadoras do Yale Child Study Center e responsáveis pelo desenvolvimento e aplicação do programa que dá título a este artigo, pretendem abordar a temática do impacto da ameaça nas relações mãe-bebé e mãe-terapeuta. Começam por discutir o papel da ameaça e do medo no desenvolvimento da vinculação. Depois, baseando-se na experiência dos investigadores com o trabalho com jovens famílias no programa Minding the Baby, um programa de visitas a casa, intensivo, reflexivo e interdisciplinar, considerarão a relevância clínica de trabalhar a ameaça num processo informado sobre vinculação com pais e filhos, concluindo com a apresentação de algumas estratégias que podem ser empregues naquelas circunstâncias.
Numa revisão sobre a literatura, os autores constataram que o sistema de medo se mantém continuamente elevado nas três formas de adaptação insegura. Em termos de promoção de uma vinculação segura, tenta-se manter a capacidade da mãe para cuidar os seus filhos de forma sensível e protetora. A progressão contemporânea das teorias de vinculação e de psicanálise ligam a vinculação segura na infância à capacidade da mãe receber e conter na sua mente a mente da criança.
A perspetiva da mentalização sugere que um cuidador que é capaz de imaginar (explícita ou implicitamente) o que o seu filho está a pensar ou a sentir, estará a responder de modo mais sensível e contentor do que outro cuidador que não consegue ler no comportamento o que poderá estar a acontecer internamente na mente do seu filho.
Relembram depois que Fonagy e colegas vêm sublinhando, desde há mais de 20 anos, que o trauma frequente perturba a capacidade de mentalizar. Quanto mais um indivíduo é sujeito a abusos e ameaças mais difícil é para ele imaginar a experiência interna do outro, ou até encontrar sentido na sua própria experiência.
Os autores pretendem analisar neste artigo alguns modos como o comportamento das mães pode interferir e afetar o encontro clínico e propor algumas estratégias clínicas para lidar com as ameaças dentro do contexto de uma visita a casa. Os terapeutas, expostos à situação clínica, experimentam uma série de emoções e sentimentos como zanga, medo, esperança e vontade de ajudar, entre outros, sendo, por isso, tão importante a supervisão. Os supervisores e a equipa multidisciplinar contêm o terapeuta, tendo em mente a mãe e o bebé, para que a mãe possa também conter a mente do seu bebé na sua mente. Referem-se a esse fenómeno como Mentalização Aninhada. Esta supervisão e suporte garantem que o terapeuta será ele próprio capaz de se manter autêntico e reflexivo sem se ir abaixo ou desregular.
Concluem que a ameaça e o medo fazem parte da condição humana e, por isso, quando o espaço reflexivo for difícil, o terapeuta deve parar para pensar, refletir e voltar a tentar.
No capítulo nove, terceiro da parte clínica, “Vinculação, Trauma e Realidade”, Alicia F. Liberman, psiquiatra investigadora especialista em vinculação e trauma da Universidade da Califórnia, vai tentar integrar o tema com a intervenção clínica com crianças pequenas. Começa por lembrar que os maus tratos infantis são mais frequentes nos cinco primeiros anos do que noutras idades, sendo que mais de 75% de abuso infantil ocorre em crianças com menos de quatro anos e mais frequentemente no primeiro ano de vida. Baseando-se em alguns estudos, pensa que possa existir um padrão de repetição de exposição ao trauma interpessoal, representado na população em geral.
A frequência com que ocorrem eventos traumáticos e as sequelas negativas que deixam para o desenvolvimento infantil tornam imperativo que se desenvolvam abordagens para a identificação precoce e tratamento efetivo da exposição traumática em crianças pequenas.
Neste artigo aborda-se o tratamento psicoterapêutico criança-pais como uma terapia que integra teoria da vinculação e psicanálise, tendo em conta igualmente fatores ecológicos que podem moderar o impacto do trauma no funcionamento da criança.
A vinculação, desde Bowlby, é vista como um sistema motivacional, biologicamente determinado, com a função de promover a sobrevivência das espécies, protegendo os mais novos dos perigos dos predadores emergentes no ambiente humano da evolução adaptativa.
A teoria psicanalítica e a teoria da vinculação convergem no entendimento de que a vida emocional das crianças pequenas se organiza à volta do esforço para que sejam protegidas dos perigos, com a psicanálise a enfatizar ameaças fantasiadas e uma vida interna também fantasiada e a teoria da vinculação a enfatizar os perigos externos e as respostas adaptativas para perceber e lidar com as ameaças.
Vários autores sublinham a exposição ao trauma como acontecimentos patogénicos através do continuum desenvolvimental, recomendando as terapias focadas no trauma como primeira linha de tratamento para as crianças diagnosticadas com a perturbação do stresse pós-traumático (atenção direta ao trauma e envolvimento dos pais como agentes de mudança, no sentido de retomar o desenvolvimento suspenso).
A Psicoterapia de Pais e Filhos tenta aceder à vida interna da jovem criança traumatizada. O objetivo da psicoterapia de pais e criança é tentar ajudar os pais a identificar as causas concretas do medo, insegurança e incerteza na vida dos filhos e na sua própria vida e associar as recordações do trauma que desencadeiam zanga, medo ou outras respostas desreguladas neles e nos filhos, no sentido de criarem uma narrativa partilhada das experiências diárias que incluem os eventos traumáticos, construindo momentos carinhosos.
Dar nome e elaborar a realidade assustadora associada à experiência traumática e as suas sequelas emocionais é a base para resolver os sentimentos mútuos de vergonha, culpa, zanga e falta de confiança envolvidos, como esforços para lidar com o medo em resposta a acontecimentos ameaçadores. Pais e a criança constroem em conjunto uma narrativa do trauma que é usada para atualizar a atribuição mágica de culpa da criança, promovendo uma compreensão realista do que aconteceu.
O terapeuta ajuda pais e criança a construir em conjunto uma narrativa onde os pais consciencializam quão ameaçador foi o evento traumático para a criança, se responsabilizam pelo que aconteceu e aprendem a responder às expressões de desregulação da criança como zanga e medo, no sentido de reconstruir na criança o sentido de segurança e confiança, relembrando o trauma associado a novos afetos manejáveis e com capacidade de sentir, diferenciar e refletir entre o medo de então e a segurança de agora.
Neste tipo de intervenção, uma compreensão da realidade cultural da família é essencial para trabalhar eficazmente com os pais da criança traumatizada. A forma como os pais compreendem e respondem às suas próprias experiências traumáticas, bem como, naturalmente, às dos filhos, é muito influenciada pelas perspetivas culturais.
Os autores sublinham que, tal como existem fantasmas e anjos na forma como cada pessoa foi cuidada, também as culturas têm os seus anjos e fantasmas ancestrais e arquétipos, muitas vezes marcados pelo trauma histórico e pela resposta coletiva ao mesmo, que são transmitidos de geração em geração e interpretados e interiorizados à maneira de cada um.
Para a terapia Pais-Criança focada no trauma é então necessário tratar famílias de uma grande variedade de origens económica, étnica, racial e religiosa, assim como disponibilizar terapeutas de diferentes meios culturais para melhor adaptar a terapia às características culturais específicas das crianças e famílias abrangidas.
Ancorar o tratamento do trauma dentro dos significados culturais específicos da família pode dar-lhes um sentido renovado de esperança e pertença comunitária, assim como enriquecer a experiência clínica dos terapeutas, relembrando-os da experiência humana partilhada de tentar encontrar sentido nas mais dolorosas vivências.
No último capítulo, quarto da parte clínica, Vinculação e Trauma desenvolvimental complexo [complex developmental trauma], Felipe Lecannelier, importante pensador e investigador na área da vinculação, intervenção precoce e regulação emocional em contextos de risco, aborda a temática do artigo fazendo referência a um programa de intervenção para crianças institucionalizadas. Começa por sublinhar algumas evidências comprovadas de que as crianças em risco geralmente não são sujeitas a um só acto ou experiência isolada, mas antes, tendencialmente, a uma rede de incidentes traumáticos continuados num complexo espectro de crónicos e múltiplos traumas, que muitas vezes não são globalmente considerados na avaliação e intervenção com estas crianças.
Ao longo do texto vai referindo o seu ponto de vista sobre a abordagem necessária, afirmando que é preciso compreender como o incidente traumático se integra na experiência que organiza o desenvolvimento da criança, indispensável para tornar mais eficazes os programas de prevenção/intervenção. Define o conceito de trauma desenvolvimental complexo [complex developmental trauma] para os casos em que a pessoa sofreu traumas múltiplos, especialmente de ordem interpessoal, com consequências significativas para o desenvolvimento da criança.
Fundamentado nas evidências científicas, remarca a alta percentagem de crianças que sofrem múltiplos traumas nos cinco primeiros anos de vida, rareando aquelas que apenas foram expostas a um único incidente traumático, levando alguns autores a considerar que a vitimização é mais uma condição do que um incidente. O autor refere ainda estudos longitudinais que mostram como este trauma desenvolvimental complexo [complex developmental trauma] durante a infância se relaciona com dez causas de morte na fase adulta (ataques cardíacos, cancro, doenças pulmonares, doenças do fígado e fraturas múltiplas, entre outros) e que experimentar quatro ou mais tipos de trauma durante a infância está altamente associado a diversas perturbações da saúde mental na fase adulta como alcoolismo, toxicodependência, depressão, suicídio, obesidade, promiscuidade ou violência, só para nomear os mais frequentes.
Sublinha, também, que estes estudos mostram que os efeitos mais danosos ocorrem quando os cuidados primários não conseguem oferecer um contexto de vinculação segura, decorrendo de os cuidadores serem os próprios perpetuadores do trauma ou incapazes de regular, mentalizar o trauma que a criança sofreu. Os efeitos nocivos afetam particularmente o domínio do desenvolvimento socio-emocional, especialmente no sentido do desenvolvimento da vinculação segura e das competências socio-emocionais.
Considera, como outros autores, que existem três elementos chave para compreender os efeitos e as experiências de uma criança vítima de traumatismos múltiplos complexos, que são, em primeiro lugar, a falta de recursos pessoais para os pais poderem regular a experiência traumática (incapacidade para identificar, mentalizar, regular, conter e reduzir as emoções crónicas de medo, ameaça, confusão, terror e desorganização da criança em sofrimento). Em segundo, a sensação permanente, gerada pela dificuldade anterior, de insegurança emocional relativa aos seus cuidadores (expectativa e desconfiança de que não estarão lá quando sofrer stresse ou qualquer incidente desencadeador de trauma). E, por último, consequentemente às duas fragilidades atrás identificadas, a forma como a criança sente estes processos de forma desorganizada e afetivamente vividos como caos, imprevisibilidade e confusão que precisam ser controlados a todo o custo seja pela respostas hetero ou auto agressivas, seja por um comportamento excessivamente inibido ou ainda por uma atitude positiva e controladora face aos outros.
Num olhar mais neurológico, o autor refere que, apesar de o ser humano possuir estruturas corticais de alto nível, os estudos mostram que, em situação de perigo, o nosso cérebro animal/emocional toma conta do comportamento e, quando há uma experiência crónica de medo, a pessoa adquire um estilo crónico de funcionamento límbico/emocional.
Assim, para a criança vítima de trauma desenvolvimental complexo [complex developmental trauma], o medo torna-se a principal experiência que deve ser detetada, organizada, antecipada, regulada e evitada, ou seja, elaborada. Dessa experiência de insegurança emocional, emerge uma desconfiança crónica nas relações emocionais, especialmente naquelas em que o adulto cuidador está envolvido. Como a principal atividade cerebral está focada em proteger a criança do perigo, as outras áreas de desenvolvimento começam a deteriorar-se progressivamente, na medida em que vão ficando sem atividade neuronal adequada para ativar os processos superiores necessários para promover a adaptação contínua às exigências do meio ambiente e da realidade.
Em situações de perigo, as áreas “rápidas” do cérebro são ativadas em relação à resposta imediata de “vida ou de morte” e as áreas “lentas”, relacionadas com a reflexão, com a consciência, com o pensamento abstrato, são desativadas.
No caso de crianças vítimas de trauma desenvolvimental complexo [complex developmental trauma], o perigo não é apenas o facto da situação traumática ser crónica, mas principalmente ser essencialmente perpetuado pelos cuidadores, o que acentua ainda mais a gravidade da situação, pois é com quem a criança permanece a maior parte do tempo. Nesses casos, o cérebro não retoma o estado de funcionamento cortical, mas permanece permanentemente ativado no modo límbico, para que o organismo possa ficar alerta ao perigo.
O autor hipotetiza que, se a exposição traumática for continuada por muitos anos, as estratégias para lidar com a situação traumática organizar-se-ão em estilos emocionais que predominarão durante toda a vida da pessoa afetada.
Nas investigações existentes, o autor reconhece três tipos de estratégias: Fuga e Luta [Fight or Flight] – luta (Fight) quando é possível lidar com o perigo (violência, hiperatividade, oposicionismo e confrontação) ou Flight quando o perigo é excessivo mas há chance de sobreviver (crianças que se isolam, que evitam o contacto e a confrontação social); Complacência/Colagem Adesiva [Complacence or Clinginess] – as raparigas tendem a lidar com o perigo sendo mais complacentes e cuidadoras, enquanto os rapazes mais lutadores e, num estilo mais grave deste continuum, outro tipo de estratégia será uma colagem adesiva ao cuidador temendo a vivência traumática do abandono; O terceiro tipo Anestesia/Dissociação [Anesthesia or Dissociation], quando já não é possível lidar ou evitar o perigo e a concretização da ameaça é demasiado provável, o organismo prepara-se física e psicologicamente para esse perigo eminente, desconectando as áreas corticais do cérebro para ativar o sistema parassimpático e as endomorfinas, desactivando a atenção aos estímulos externos e gerando uma experiência desconectada da realidade externa.
O autor, baseado no modelo apresentado, sublinha a importância de compreender o tipo de estratégia que a criança ativa, permitindo avaliar a gravidade e cronicidade do trauma e predizer a futura adaptação. Lecannelier refere, entre outros, um programa de vinculação e traumas complexos, dirigido a crianças institucionalizadas vítimas de múltiplos traumas, cujo propósito é promover a recuperação da segurança emocional para essas crianças, sublinhando a importância do desenvolvimento destes programas que têm obtido comprovados resultados. A criança precisa de um sentimento de segurança emocional contínuo na sua vida para que os restantes processos de desenvolvimento se possam restaurar.
O programa objetiva prioritariamente a recuperação dos níveis de segurança emocional da criança e educar e munir os cuidadores de estratégias para que possam compreender, mentalizar, respeitar e regular a experiência traumática que essas crianças vivem todos os dias. O autor afirma que isso não se consegue apenas com psicoterapia, pois precisará de ser facilitado por um contexto relacional e emocional adequado no dia-a-dia da criança, envolvendo psicoeducação, mentalização, segurança emocional e regulação. Conclui que o trauma complexo nos estádios iniciais de vida permanece na esfera do implícito, não apenas para os pais, mas também para professores, profissionais de saúde e até para alguns psicólogos. Por causa disso, estas crianças são frequentemente diagnosticadas precocemente com perturbações de saúde mental, défice da atenção, desordens de comportamento, depressão e hiperatividade, entre outras. O autor termina esperançado de que, sendo o enfoque nas experiências precoces hoje uma abordagem tão defendida, a implementação deste tipo de programas dirigidos a crianças vitimizadas por traumas complexos possa ser efetivamente uma realidade cada vez mais alargada a todo o mundo.
Esta obra termina com a apresentação de nove interessantes posters de que passamos a apresentar os destaques.
O poster um sublinha a evidência científica que suporta que as intervenções focadas na sensibilidade dos cuidadores num curto número de sessões são as mais efetivas no restabelecimento da sensibilidade materna e da segurança da vinculação. Nesse sentido, os autores consideram que o seu estudo parece comprovar que o programa proposto poderá de facto melhorar muito a qualidade dos cuidadores nas populações de alto risco na Colômbia.
No poster dois, os autores usam dois exemplos clínicos para demonstrar a importância do papel do pai durante o desenvolvimento. Em ambos os casos das adolescentes, cujo acompanhamento foi escolhido para ilustração, tornou-se extremamente útil ter podido recorrer ao pai como uma base segura de vinculação e suporte emocional, uma vez que as famílias enfrentaram situações adversas e incidentes traumáticos que afetaram a qualidade da resposta das mães às necessidades das suas filhas. Estas jovens terão criado uma ligação com os pais como uma alternativa de vinculação à mãe, prevenindo o próprio colapso emocional e sendo usado como base de reparação da ligação à mãe, o que vai ao encontro do que defende a teoria da vinculação.
No poster três são apresentados os fundamentos de base para um novo enquadramento metodológico e conceptual na intervenção psicossocial, que denominam Tripla Instância [Triple Stance]. Nesta abordagem, o foco da atenção para o enquadramento clínico e comunitário é colocado em três aspetos que os autores consideram fundamentais para planear cada intervenção individual: As necessidades de vinculação, o contexto social e o funcionamento reflexivo. Este modelo de intervenção inspira-se nos trabalhos sobre emergência e conservação da cooperação humana, na teoria da vinculação e nas intervenções psicodinâmicas na comunidade, no pressuposto de que a mentalização, a vinculação e a cooperação estão intimamente ligadas. A tripla instância tenta integrar estas três dimensões de modo a promover uma melhor intervenção clínica e comunitária. Através de um acompanhamento longitudinal foi comprovada a interligação destas três dimensões pessoais, concluindo, os autores, que cada uma delas pode ser compreendida a partir das outras duas, permitindo aos terapeutas, por exemplo, aceder e elaborar a dimensão do processo de vinculação através de uma perspetiva cooperativa ou do pensamento reflexivo.
No poster quatro, a autora relata um estudo que analisa a segurança, a organização e o nível de vinculação de crianças entre os 10 e os 47 meses que vivem em dois orfanatos chilenos, confirmando que, como esperado, os resultados apontam para a maior prevalência de vinculação desorganizada nas crianças institucionalizadas, quando comparadas com os resultados de crianças não institucionalizadas do Chile.
No poster cinco, partindo das evidências de estudos anteriores que apontam para que os jovens adultos que nasceram prematuros apresentam respostas cognitivas e mesmo fisiológicas menos otimizadas em situação de stresse, os autores concluem, no seu estudo, que os sujeitos com uma história de prematuridade muito severa apresentam estratégias de vinculação menos conseguidas do que o grupo de controlo, particularmente falhas de memória, idealização dos cuidadores, menos representações de sofrimento enquanto crianças, mais traumas, mas não negação da vinculação. Os autores consideram os resultados interessantes, na medida em que apontam para as consequências que as experiências traumáticas devidas a desenvolvimento ou a variáveis parentais durante os primeiros anos de vida podem ter nas suas narrativas quando adultos.
No poster seis, o autor comenta um estudo que explora possíveis associações entre a qualidade de indicadores do cuidar e o desenvolvimento sociocognitivo da criança. Os resultados confirmam que a segurança da criança está correlacionada com o desenvolvimento sociocognitivo e com a identidade pessoal e social. A proteção sentida com sensibilidade, atenção e responsividade oferece à criança uma variedade de oportunidades exploratórias e interativas (aprendizagem pela experiência), sendo definida como base de segurança do cuidado infantil e tornando-se assim um indicador da qualidade da educação para a infância precoce, segundo o autor.
No poster sete, os autores propõem focar-se na função reflexiva numa população com história de abuso, de modo a perceber em que medida esse background é um fator de risco para repetir comportamentos abusivos dirigidos aos outros, concluindo que há correlação entre a diminuição do funcionamento reflexivo e histórias de abusos na infância, suportada pela teoria da vinculação que sustenta que essa função é mais desenvolvida quando há vinculações seguras.
No poster oito, os autores pretenderam desenvolver e implementar um grupo de intervenção para promover vinculações seguras no contexto espanhol, começando a acompanhar este grupo durante a gravidez das mães. Os resultados apontaram para níveis de vinculação segura mais altos no grupo de intervenção do que no grupo controle, evidenciando que a intervenção de apoio ao grupo aumentou a qualidade da segurança de vinculação nas crianças abrangidas.
Finalmente, no poster nove, os autores tentam avaliar a segurança de vinculação em crianças cegas ou amblíopes, comparativamente com crianças sem essas limitações, através do paradigma da situação estranha (SSP), não tendo encontrado diferenças significativas.
Como pudemos sentir ao longo de todas estas narrativas, esta é uma obra que não se esgota nas suas páginas, mas antes nos abre caminhos para que cada leitor possa integrar estas abordagens com as suas próprias experiências e trabalhos, expandindo a sua perspetiva através dessa integração reflexiva. Esta possibilidade desvaloriza, por parte de quem lê, uma certa lacuna de referenciação teórico-clínica mais alargada a outros autores e trabalhos relevantes para as temáticas abordadas, que naturalmente seria tarefa quase impossível por tornar a obra demasiado extensa, ficando assim a cargo e a gosto de cada um a sua integração personalizada.
Neste olhar em que a vinculação é o eixo central de uma complexa rede de saberes como a Psicologia, o Desenvolvimento Humano, a Psicanálise, as Neurociências e os Contextos Socio Culturais, entre outros, a abordagem da atualidade abre vias para um futuro menos ameaçador, pela compreensão acrescentada pelas temáticas aqui trabalhadas. Alarga a compreensão dos fenómenos de desenvolvimento saudável e patológico, e como estes se expressam cerebralmente, pela complementaridade que, de uma forma intuitiva e simplificada, as neurociências acrescentam nesta abordagem, enriquecendo ainda a intervenção clínica.
O gosto pela leitura destes textos é continuamente despertado por novos desafios, novos desenvolvimentos, e corre, célere, como se de um interessante romance se tratasse, tal é o estímulo que nos imprime um gostinho tão especial no nosso palato mental, fazendo-nos desejar sempre mais. A forma como cada autor nos comunica o seu ponto de vista, não podia ser mais simples, clara, compreensível e atual, apesar de toda a complexidade dos temas, o que torna a sua leitura, proposta de forma rigorosa, mas acessível, obrigatória a todos os profissionais ou interessados nesta área. É por isso mesmo que não posso deixar de recomendar a sua leitura reflexiva e esperar que esta obra seja brevemente traduzida para português.
1 Editado por Sonia Gojman-de-Millan, Christian Herreman and L. Alan Sroufe.
Este livro, conjunto de vários artigos, divulga os mais recentes conhecimentos, pensamentos e reflexão, no campo da teoria da vinculação, trazidos a todos os interessados pelos mais destacados autores nesta matéria. Nele, a teoria da vinculação é integrada com os mais atualizados conhecimentos de desenvolvimento do cérebro e das neurociências, bem como com a teoria psicanalítica, comprovando com evidências científicas, a abrangência dos padrões de vinculação através de todas as culturas. Simultaneamente, demonstra a relevância da aplicação destas evidências não só para a prevenção da patologia, como também para o enriquecimento da intervenção terapêutica.
Teoria da vinculação; Trauma; Neurociências; Prevenção em psicopatologia.
A glimpse on the book “Attachment across clinical and cultural perspectives, a relational psychoanalytic approach”
This book, set of several articles, discloses the latest knowledge, thoughts and reflection, in the field of Attachment theory, by the most outstanding authors in this matter. There, Attachment theory is integrated with the most up-to-date knowledge of brain and neuroscience development as well as psychoanalytic theory, proving with scientific evidence the breadth of Attachment patterns across cultures. Simultaneously, it demonstrates the relevance of the application of these evidences, not only for the prevention of the pathology, but also for the enrichment of therapeutic intervention.
Bonding theory; Trauma; Neurosciences; Prevention in psychopathology.