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António Alvim

Com profunda tristeza partilho convosco o meu sentimento da dolorosa perda do António Alvim.


No último Encontro da AP- RECONHECER, vi-o como o perfeito anfitrião que nos acolheu durante dois dias, cuidador, eficiente, risonho e sonhador, mas não deixando de, com pragmatismo, apontar o caminho de agora para a AP.
E é como este nosso anfitrião da AP que o quero, aqui e hoje, recordar, evocando as suas palavras e os seus pensamentos quando, de forma ousada e, para mim, sábia, juntou humor e função onírica para nos fazer compreender o conceito de objecto psicanalítico modificado.
Porque, para mim, estes pensamentos que nos deixou, são o melhor caminho para que a dureza insuportável, hoje, da sua ausência, possa começar a ser pensada por nós.
Dizes-nos que tentas tolerar o paradoxo e o desconhecido, brincando com eles, deixando que da dispersão emerjam os factos e amadureça a sua experiência, interpretando-os através do sonho, como um sonho.
Sobre este paradoxo que foi a tua morte, prometo-te que vamos seguir esta tua receita, não já, a pouco e pouco, com o tempo do amadurecer que nos vai permitir vir a sonhar contigo.
Defines a psicanálise, a tal peste, que Freud levou ao novo Mundo, como uma viagem…entre o desamparo e a criatividade, a perda e o símbolo, de menos a mais infinito, mas parte de uma cadeia que nos precede e antecede; viagem na desilusão onde o sonho navega.
E assim continuaremos a fazer, teimando na criatividade para poder lutar contra este desamparo que estamos e ainda vamos continuar a sentir com a tua ausência entre nós. Mas para combater esta desilusão de não te termos connosco, vamo-nos lembrar que nos fazes sorrir quando nos dizes que a psicanálise também é essa malandrice que pregamos ao destino, de o poder pensar.  E tentar que este concreto indi(vi)zível, esta não-coisa que é a tua morte possa ser representada e permita, como tu gostas de dizer, deslizar o significante em múltiplos significados.
Vamos tomar boa nota sobre o que nos contaste sobre o humorista Stephen Colbert, que preconizava que, face a algo que identificamos como horrível, o melhor remédio será rir, já que não é possível rir e ter medo ao mesmo tempo.
E voltarmo-nos a sorrir quando enfatizaste:
“Que outra imagem inverte tão bem o terror da crueza da morte que ver um sorriso trocista na caveira de um esqueleto dançante.”
E lembrarmo-nos que nos disseste que o riso tem uma valência gregária: tal como o choro sinaliza ao grupo que algo não está bem, o riso sinaliza que algo não corre conforme esperado (como tu teres agora partido), constituindo um estímulo social… fomentando a cooperação e, assim, promovendo a dinâmica de empatia e partilha que reforça sentimentos de pertença e de identidade grupal.
E que insistias que o riso e o humor que o provoca são um factor de coesão social, concluindo que o sentido do humor é, portanto, uma arma contra o desamparo da espécie.
E porque somos um Grupo, com uma identidade de grupo, como tu sempre o quiseste e tanto fizeste por isso, vamos ouvir o teu sábio conselho de que a união gerada num grupo que ri em conjunto de algo que os assusta a todos dá-lhes melhor condições para lidar com o desamparo: a dureza da realidade fica mais fácil de suportar, a angústia diminui e assim é mais viável pensar em como tirar o melhor partido de uma má situação.
Muito obrigado, António, por tudo
14 de maio 2023
Ana Vasconcelos